Ausência de referências e outras considerações
Às vezes imaginava uma situação caricata, em que uma pessoa morta há umas décadas, aí nos anos 70 ou 80, voltaria à vida e eu teria de lhe explicar tudo o que mudou no mundo desde então, como o fim do confronto Leste-Oeste, por exemplo (se bem que pareça menos longe, hoje em dia), a emergência dos países asiáticos, com a China à cabeça ou o advento da net e das novas formas de comunicação. Para me ajudar, teria de me socorrer de algumas referências ainda existentes. A que me vinha logo à cabeça era a Rainha Isabel II. Diria algo como "tudo mudou menos uma coisa: a Rainha permanece no trono" (ou como o Pedro Correia já aqui afirmou várias vezes, "viu passar todas as modas; só ela nunca passou de moda"). A seguir seria Fidel Castro, que também já lá vai, e outros de quem não me recordo agora.
Agora que a Rainha nos deixou, que referências haveria para uma pessoa de há 40/50 anos? Quem poderia dizer que está no seu lugar? Não me ocorre ninguém. Como se em pouco tempo o Mundo tivesse mudado muito mais depressa do que seria suposto. É mais um dos sinais a indicar-nos que os tempos mudaram mesmo e, sem referências, personalidades ou instituições-âncora, estão mais incertos do que nunca.
E aproveito para rectificar uma ideia que tenho visto a espalhar-se no último dia. Nos muitos e merecidos encómios a Isabel II, já li por diversas vezes que tinha acabado o reinado mais longo de sempre. Também pensei, aquando do jubileu, que iria bater o recorde. Eram só mais dois anos. Mas não. Isabel II ultrapassou a Rainha Vitória e é a Rainha, no sentido estritamente feminino do termo, com o reinado mais longo de sempre. Mas o monarca que detém o galardão continua a pertencer ao outro lado da mancha e dificilmente será "destronado", perdoem-me o trocadilho fácil. Neste aspecto, o (rei) Sol continuará mesmo a brilhar.
Entretanto recordei-me da colaboração que dei à revista Negócios Estrangeiros nos cinquenta anos da primeira visita de Isabel II a Portugal. Ali para a página 197 está o artigo da visita, para o qual colaborei com inúmeras notas sobre o itinerário realizado. Tem o seu interesse. E mais se discorre sobre o significado político da visita, em plena era de descolonizações e Guerra Fria. Sim, Isabel II subiu ao trono numa época igualmente atribulada para o Reino Unido, só que tinha um Winston Churchill para a ajudar. De certa maneira, tenho pena de Liz Truss, pelo tremendo início de mandato. Começar com a morte do monarca é pesado, mas com uma monarca tão marcante é mastodôntico.