Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Assim não, António

Sérgio de Almeida Correia, 07.03.14

 

Muita gente tem escrito sobre a necessidade da transparência como elemento essencial da qualidade das democracias. Muitos em Portugal a têm prometido, sem que dêem continuidade e execução à promessa, a começar pelo actual primeiro-ministro. E desde 25 de Abril de 1974 longo foi o caminho que se percorreu em termos teóricos, políticos e jurídicos, e legislativos até vermos consagrado esse princípio nos nossos instrumentos de governo e de controlo da Administração Pública.

Greg Michener e Katherine Bersch ("Conceptualizing the quality of transparency", Political Concepts, Comittee on Concepts and Methods, 49, Maio 2011) enfatizaram a importância do conceito de transparência e dele disseram ser o "primeiro bloco da construção de democracias sólidas e mercados". Porque a transparência é inimiga da opacidade e esta é "o primeiro refúgio da corrupção, da ineficiência e da incompetência". E quando definiram o conceito não se esqueceram de referir que a sua génese está muitas vezes associada aos trabalhos de George Akerlof, de Michael Spence e do reputadíssimo Joseph Stiglitz, que recebeu o Nobel em 2011. E, citando aqueles autores numa tradução livre, acrescentaram que "a transparência tornou-se não apenas num instrumento para a criação de visibilidade e para manter os decisores políticos escrutináveis, mas um meio para melhorar as práticas standard mantendo acessíveis os dados que possibilitaram a decisão". Ou seja, resumindo, a transparência para poder funcionar exige duas qualidades fundamentais: visibilidade e inferability.

Visibilidade e inferability significam tornar a informação acessível e completa. Não basta afirmar a transparência como instrumento de governo, é preciso que a informação seja visível de qualquer ângulo e que a informação prestada seja completa, clara e verificável. A isto eu só acrescentaria que constitui uma péssima prática obrigar os cidadãos a uma via-sacra administrativa e judicial de cada vez que querem ter acesso à informação, à que lhe diz directamente respeito e à que é pública por natureza, ou devia ser, numa sociedade democrática assente em sólidos padrões de decência.

Posto isto, confesso que não compreendo a posição da Câmara Municipal de Lisboa relativamente a esta questão que a opõe ao Público. Para mim é algo que não faz nenhum sentido.

Na nossa vida pública nada deverá ser mais transparente do que a decisão política ou administrativa. Porque é esta a única que interessa à democracia e aos cidadãos e não é possível construir uma sociedade política civilizada enquanto a transparência não for a pedra de toque do funcionamento de qualquer instituição do Estado ou da Administração, central ou local, directa ou indirecta.

E menos ainda percebo o que pode levar um homem sério e inteligente, que sabe qual é a importância de ter uma cultura cívica de transparência enraizada para a segurança de uma democracia e dos seus cidadãos, a queimar "cartuchos" numa contenda desta natureza, a ponto de se obrigar à intervenção do Tribunal Constitucional. Em questão de tal cristalinidade, a última coisa que havia a esperar seria que fosse necessário recorrer ao Constitucional para dirimi-la. Mas tendo chegado até aí, faço votos de que não se repita. 

4 comentários

Comentar post