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Delito de Opinião

As térmitas*

José Meireles Graça, 09.03.21

Não há demasiado tempo, qualifiquei Carlos Moedas como uma rolha do regime.

Reli o texto, que se baseava numa entrevista de Maria João Avilez (uma socialite do jornalismo político que tem muitas qualidades, mas não as suficientes para estar no meu altar de tais personalidades, um lugar escassamente povoado), e não tenho nada a retirar.

A certa altura, escrevi: Moedas é ainda muito novo e logo que acabe de ornar a Gulbenkian com as suas luzes pode bem ser que regresse à vida pública, através do seu partido de sempre.

Premonitório: Moedas é o candidato do PSD e CDS à Câmara de Lisboa. E tratasse-se apenas de eleger um intendente para os esgotos, arruamentos, jardins, trânsito, parques, licenciamento da construção e o mais de que se ocupam as câmaras, a mim, que não sou cidadão de Lisboa, tanto se me daria. Mesmo que o inenarrável Medina seja o típico autarca socialista: tachos para a família partidária (e, se respeitar a prata da casa socialista, para a propriamente dita), quadros pletóricos de funcionários, políticas urbanísticas e de trânsito erráticas uns dias, asneirentas outros, patrocínio de empresas municipais opacas e sôfregas, etc.; e ainda que tenha uma incomodativa visibilidade pública que obriga o resto do país a lobrigar-lhe a cara atónita e as banalidades de que se alivia, sob pretexto de que é um putativo sucessor de Costa.

Infelizmente, a Câmara de Lisboa não é como as outras: o país bastante, e os locais sobretudo, veem a cidade como a capital do Império que já não é, o centro cultural para o qual não há massa crítica e o sítio onde vive a nata (porque assim se considera, e o resto do país engole sem pestanejar a patranha) da cultura, da moda, da cozinha, do saber, do gosto e das tendências. Tudo óptimas razões, aliás, para parasitar o resto do rectângulo.

Mas é em Lisboa que está o centro do poder político e do económico. E, queira-se ou não (eu não quero, o que importa rigorosamente nada), o colar com que se enfeita o mayor local é interpretado como uma espécie de unção para voos mais altos. Mas isto ainda será o menos. O mais é que o resultado das autárquicas no país, e em particular em Lisboa, tem uma leitura nacional.

E em vez de abundar nos motivos porque é assim, e não de outra maneira, remeto para este artigo de Rui Ramos, de que não compro inteiramente os fundamentos, mas a cuja conclusão adiro: “O país não é Lisboa. Mas pode começar a mudar por Lisboa”.

A mudança é mais difícil porque o Chega!, encandeado pelo destino que julga que vai ter de ser o maior partido, se pôs fora de coligações. E porque a IL, a ser verdade o que conta Helena Matos, que não se costuma enganar, foi tratada com menoscabo por Rio, uma ilustração ambulante do princípio de Peter.

Na minha terra, por cujos destinos tenho um moderado interesse e cuja câmara é encabeçada igualmente por um socialista (as térmitas são um insecto muitíssimo difundido), nem preciso de saber quem é o candidato de direita – é nele que voto.

Assim em Lisboa façam o mesmo. Porque o país tem de mudar e vai mudar, só não sabemos é quando – mas quanto mais tarde pior.

* Publicado no Observador

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