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Delito de Opinião

As péssimas companhias de Guterres

Pedro Correia, 16.11.24

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Guterres abraça Lukachenko: ditador bielorrusso quer que «Deus proíba» mulheres no poder

 

Enquanto o planeta arde hoje com conflitos letais na Ucrânia, em Gaza, no Sudão, na Síria e outros pontos escaldantes e devastadores, perante a total impotência da ONU, António Guterres refugia-se no futuro. Mostra-se procupadíssimo com o clima do planeta. De caminho, divide o palco com alguns dos maiores escroques políticos à face da Terra - como se fossem brothers in arms, todos a batalhar pelo mesmo. Como se não pudesse escolher as companhias.

Sucedeu agora, na Cimeira do Clima em Baku, capital do Azerbaijão. Um dos canalhas que chorou lágrimas de crocodilo na sessão inaugural, fazendo coro com o ainda "líder" da ONU, foi Aleksandr Lukachenko - repugnante cúmplice de Moscovo na agressão à Ucrânia. Também ele, indiferente às dores dos seres humanos concretos, se mostra preocupadíssimo com o planeta em abstracto. Enquanto profere dislates como este, zurrado há dois dias: «Que Deus proíba uma mulher de ser eleita na Bielorrússia.» Em óbvia alusão a Sviatlana Tsikanuskaya, a sua principal opositora, que em 2020 se atreveu a enfrentá-lo nas urnas e foi alvo de monumental fraude eleitoral seguida de perseguição política, tendo de rumar ao exílio para evitar ser presa ou até morta.

Ditador desde 1994, Lukachenko não hesitou em violar em 2021 as mais básicas normas internacionais da navegação aérea ao ordenar às autoridades da aviação bielorrussas que desviassem um voo da Ryanair entre Atenas e Vilinius só porque ia a bordo um dos seus maiores opositores, o jornalista e bloguista Roman Protasevich. Os pilotos foram forçados a aterrar em Minsk, sob o falso pretexto de que havia bomba a bordo - facto inédito na aviação comercial. Tudo para deterem Protasevich, que foi torturado na prisão e deixou de incomodar o tirano.

Quem é capaz disto, é capaz de tudo. 

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Guterres em Baku com Aliyev, ditador que vê o petróleo como «dádiva de Deus»

 

Tal como o próprio anfitrião de Guterres na cimeira. O ditador azeri, Ilham Aliyev, no poder desde 2003. Outro autocrata hiper-nacionalista e cleptocrata num país onde as liberdades essenciais foram suprimidas. Dele se pode dizer que tem a escola toda: sucedeu no poder ao pai, Heydar Aliyev, antigo membro do KGB e dirigente máximo do Partido Comunista quando o Azerbaijão estava integrado na URSS.

Em 2023, já com a invasão da Ucrânia pela Rússia em curso, Aliyev filho não hesitou em ocupar militarmente Nagorno-Carabaque, enclave arménio no Azerbaijão, expulsando mais de cem mil arménios em poucos dias. Brutal violação de direitos humanos que passou quase indiferente à comunidade internacional.

Vê-lo agora travestido em «amigo do clima» causa náuseas a todos quantos não esquecem que Aliyev costuma aludir aos combustíveis fósseis como «dádiva de Deus». Num país em que os jornalistas que se preocupam com questões ambientais estão detidos, como alerta a organização Repórteres Sem Fronteiras.

 

Que Guterres ande rodeado destes péssimos parceiros de percurso, após a humilhante vénia a Vladimir Putin em Kazan, infelizmente, já não surpreende. Revela até que ponto ele tem conduzido a ONU, hoje um dos organismos menos influentes, menos respeitados e menos credíveis à escala mundial.

O facto de abraçar ditadores em nome da "causa climática" não constitui atenuante, mas agravante. Os fins não justificam os meios - nisto como em tudo o resto.

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