As mulheres que li e vi (2)
O Dia Internacional da Mulher serviu de pretexto para, em alguns grupos mais geek do Twitter, se partilharem algumas das personagens femininas preferidas de filmes, séries, bandas desenhadas e videojogos. Por imagens, claro - o Twitter convida a muita coisa, mas a prosa não é uma delas. Felizmente, os blogues ainda cá estão, e são tão amigos da imagem como da palavra, pelo que pensei valer a pena pegar nesta ideia e desenvolvê-la um pouco para além dos 140 caracteres. O objectivo era escrever um único texto que passasse por todos estes formatos, e ainda referisse alguns livros, mas o projecto logo se tornou demasiado longo para um artigo num blogue (the tale grew in the telling). Assim, um artigo dará lugar a vários, ao longo dos próximos dias, sobre autoras e personagens que me marcaram ao longo dos anos. Hoje continuamos, desta vez com Banda Desenhada.
Da página escrita de ontem será talvez fácil passarmos para as pranchas da banda desenhada para destacar algumas personagens femininas que me acompanharam ao longo dos anos. A primeira obriga-me a regressar à infância, e às "revistas aos quadrinhos" que li em miúdo - algumas "herdadas" da minha irmã, outras compradas para mim quando íamos com os nossos pais a alguma vila ou cidade. Havia as da Disney, claro, mas para este artigo em concreto trago a Mônica de Maurício de Sousa - a miúda rija que tantas gargalhadas me proporcionou com as "surras" que dava aos outros miúdos com o Sansão, o seu coelho de peluche. Naquela altura não tinha tantas oportunidades quanto isso de arranjar livros novos, pelo que li e reli inúmeras vezes todas as bandas desenhadas que havia cá em casa (é apropriado estar a escrever isto enquanto estou de visita aos meus pais). Não leio a Turma da Mônica há décadas, claro, mas lembro-me com nitidez de várias histórias que ficaram sempre comigo.
As várias Mônicas ilustradas por Maurício de Sousa
Apesar de sempre ter nutrido um gosto muito especial por banda desenhada, passei vários anos sem dar à Nona Arte a atenção merecida (à Turma da Mônica e à Disney seguiram-se o Astérix e o Calvin & Hobbes, mas durante os primeiros anos que passei em Lisboa li relativamente pouco). Mas o interesse pela ficção científica e pela fantasia, assim como as sugestões de alguns amigos, acabaram por me fazer redescobrir as páginas ilustradas. E naquela que será talvez a melhor banda desenhada que já li encontrei uma personagem feminina que, não sendo a principal, tem uma presença marcante: falo da Morte de The Sandman (1989 - 2015, DC Comics/Vertigo). Na narrativa desenvolvida por Neil Gaiman, a clássica figura do ceifeiro esquelético coberto por um manto negro deu lugar a uma simpática rapariga gótica de ar jovial e com uma personalidade tão empática como pragmática. O protagonista, Morpheus, procura a companhia e o conselho da Morte com alguma frequência - dos seus seis irmãos, será com ela que o Senhor dos Sonhos mantém uma relação mais próxima e cúmplice, e ela ajudá-lo-á em várias ocasiões. The Sound of Her Wings, a história de The Sandman na qual Gaiman apresenta a Morte e a sua relação com Morpheus, é absolutamente magnífica.
The Sandman #8: The Sound of Her Wings (1989).Texto de Neil Gaiman, ilustração de Mike Dringenberg e Malcolm Jones III
Há outras personagens femininas que poderia destacar nos comics norte-americanos. Brian K. Vaughan escreveu várias nas suas bandas desenhadas, como a Agente 355 de Y: The Last Man (2002-2008, DC Comics/Vertigo) com ilustrações de Pia Guerra, ou a Alana de Saga (2012-, Image Comics), ilustrada por Fiona Staples. Num outro título da Image Comics ainda em curso, Monstress (2015-), Marjorie Liu e Sana Takeda tecem uma trama de fantasia épica muito pouco convencional que tem em Maika Halfwolf uma protagonista fascinante, que carrega consigo, e não apenas metaforicamente falando, os seus demónios.
Monstress #4. Texto de Marjorie Liu, ilustração de Sana Takeda
Dos quadrinhos norte-americanos passamos para os japoneses, com uma personagem que descobri no cinema ainda nos anos 90 e que me acompanhou ao longo dos anos, primeiro em filme, mais tarde em televisão, e por fim na banda desenhada onde surgiu pela primeira vez. Falo de Motoko Kusanagi, a "Major" de Masamune Shirow em Ghost in the Shell (1989-1997). Texto fundamental da ficção científica cyberpunk (e uma das minhas bandas desenhadas preferidas), a história de Ghost in the Shell decorre num futuro (hoje) próximo, com a cyborg Kusanagi a assumir o papel de líder operacional da Secção 9, uma unidade governamental de contra-terrorismo cibernético. É a única mulher da Secção 9, com uma liderança incontestada assente no seu carisma, na sua inteligência e, claro, nas forma como retira partido das capacidades do seu corpo cibernético. Quem tiver apenas visto o filme de Mamoru Oshii (1995) ou a série televisiva de Kenji Kamiyama (2002-2005) irá talvez surprender-se por encontrar nas pranchas hiper-detalhadas de Masamune Shirow uma Major mais descontraída e bem humorada, quando não mesmo insubordinada.
Ghost In the Shell #01 (1989). Texto e ilustração de Masamune Shirow.
A próxima parte desta série continuará com Motoko Kusanagi, mas desta vez na suas versões animadas de cinema e televisão.