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Delito de Opinião

As mulheres na vida de Jesus

Alexandre Guerra, 20.04.19

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Fra Angelico, "Jesus Aparece a Madalena" (1440-41), Convento de São Marco, Florença

 

As mulheres na vida de Jesus é um dos temas mais interessantes que se encontram nos Evangelhos, mas é também um dos assuntos menos debatidos e analisados à luz daquilo que são os Direitos Humanos, nomeadamente ao nível da igualdade entre géneros. Como ainda esta semana referia o padre e professor universitário Anselmo Borges em entrevista à revista Sábado, Jesus Cristo terá sido o primeiro feminista da História, no entanto, poucas são as vezes em que esse mérito lhe é atribuído. E de facto, à medida que se vai ficando a conhecer melhor alguns dos episódios da vida de Jesus, sobretudo a partir do momento em que inicia o seu ministério e se faz acompanhar dos seus discípulos fiéis, começa-se a vislumbrar a forma disruptiva de como o nazareno quebrou com convenções sociais e práticas instituídas nas sociedades judaica e romana, que à época estendia o seu império até à Judeia e Galileia.

Muito além da sua intervenção política, Jesus foi inovador naquilo que, séculos mais tarde, se iria chamar de Direitos Humanos. A sua mensagem assentava num conceito de igualdade entre povos, entre ricos e pobres, entre enfermos e sãos… entre homens e mulheres. De certa maneira, a Igreja fundada por Pedro vai reflectir grande parte dessa mensagem humanista, com excepção da visão de Jesus sobre o papel da mulher na sociedade. Aqui, a Igreja ao longo dos séculos nunca foi fiel à mensagem do filho de Deus, optando por remeter a mulher para um papel secundário.

E porque terá isso acontecido? A resposta não é óbvia e pode conduzir a debates intermináveis, mas não pode deixar de causar estranheza, se tivermos em consideração que houve uma vontade expressa na Bíblia de enfatizar esse factor revolucionário relativo ao papel da mulher na sociedade. Ou seja, em momento algum, os autores da Sagrada Escritura tentaram escamotear essa realidade nem subestimar a importância histórico-religiosa das mulheres que acompanharam Jesus em diferentes momentos da sua vida.

Durante o seu ministério por terras da Galileia e da Judeia, Jesus fez-se acompanhar por mulheres em condições de igualdade com os homens. E isto era uma realidade nunca vista na sociedade judaica. Tal como Pedro, Lázaro ou João, as irmãs Maria e Marta de Betânia, ou Maria Madalena, eram discípulas de Jesus e viam Nele um “mestre”, um “professor”. Jesus depositava nestas mulheres total confiança e, em muitos casos, eram elas que assumiam os encargos financeiros do quotidiano dos homens, evidenciando-se a sua emancipação sem qualquer constrangimento ou preconceito.

Analise-se, por exemplo, um dos acontecimentos mais marcantes da História da Humanidade e que agora se celebra entre os cristãos: a Paixão. No seu esforço sobre-humano e de auto-sacrifício em prol de um bem maior, são sobretudo mulheres que O ajudam na sua caminhada em sofrimento. Maria Madelena é uma delas, mas também Verónica, e as chamadas "mulheres de Jerusalém", que choram pelo filho de Deus e acompanham-No com toda a sua compaixão ao Calvário. Maria, a mãe de Jesus, acolhe-O na Descida da Cruz, num gesto de “piedade”.

Dizem os Evangelhos que foram essas mesmas mulheres, muito provavelmente Maria Madalena, as primeiras a dirigirem-se ao túmulo de Jesus Cristo e a constatarem que estava vazio. Os textos sagrados não são suficientemente claros quanto aos contornos específicos desse momento, se foi apenas uma “Maria” ou mais “Marias”, mas uma coisa é certa: Pedro e João souberam da Ressurreição pela voz de uma dessas mulheres, a quem Jesus, coberto por vestes brancas, lhes terá dito para transmitir tão importante mensagem aos apóstolos. Mensagem, essa, que foi recebida com bastante relutância por parte de Pedro e João, porque não concebiam que um acontecimento desta magnitude lhes fosse transmitido por uma mulher. Rapidamente se dirigem ao túmulo para serem confrontados com uma realidade que não conseguiram compreender.

Mas o que é facto é que as Escrituras nos deixaram esse registo, atribuindo às mulheres em geral, e em particular a Maria Madalena, a responsabilidade do anúncio de uma das ideias centrais do Cristianismo: a Ressurreição. Quando Jesus ressuscitado surge em frente a Maria Madalena, naquele preciso momento, há um reconhecimento implícito de que ela é a discípula que melhor compreendeu a Sua mensagem e o acto que tinha acabado de acontecer, tornando-se assim, de facto, a “primeira apóstola”, uma ideia que, como se sabe, nunca foi aceite pelos cânones tradicionais da Igreja.

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