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Delito de Opinião

As duas Espanhas

Pedro Correia, 17.07.22

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«Nos duele esta España eterna.»

Pedro G. Cuartango

 

No 86.º aniversário do início da Guerra Civil de Espanha, hoje assinalado, é patente que as marcas deste conflito permanecem cristalizadas em sectores políticos e mediáticos do país. Há referências insistentes às “duas Espanhas” – a franquista e a republicana – e reedita-se em colunas de jornal o espírito de trincheira que dilacerou o país durante um triénio sangrento – de Julho de 1936 a Março de 1939. Não falta quem procure fazer tábua rasa do espírito da transição protagonizada nos anos imediatos do pós-franquismo pelo Rei Juan Carlos e pelo então primeiro-ministro Adolfo Suárez, um dos mais hábeis estadistas europeus da segunda metade do século XX.

A Lei de Amnistia, de 15 de Outubro de 1977, e a Constituição, aprovada pelas Cortes em 31 de Outubro de 1978, selaram um pacto duradouro entre essas duas Espanhas que se defrontaram ferozmente nos campos de batalha. Desenterrar os fantasmas do passado é de uma irresponsabilidade sem limites, numa proporção inversa ao espírito de concórdia que animou todos os sectores da sociedade espanhola naqueles dias de recuperação da liberdade após os anos de chumbo do franquismo – da Aliança Popular liderada por Manuel Fraga Iribarne, ex-ministro de Franco, ao Partido Comunista de Espanha (PCE), onde então pontificavam figuras quase mitológicas, como La Pasionaria e o poeta Rafael Alberti, além do próprio secretário-geral, Santiago Carrillo.

 

No debate da Lei de Amnistia, falando precisamente em nome do PCE, o sindicalista Marcelino Camacho, líder histórico das Comissões Operárias, deixou bem claro que o seu partido tinha «enterrado os seus mortos e os rancores», decidindo “apagar o passado de uma vez para sempre». Pondo assim em prática a política de reconciliação nacional aprovada pelo Comité Central em Junho de 1956.

 

É criminoso fomentar o mito das duas Espanhas. Convém ter sempre presente, a propósito disto, um dos mais notáveis discursos de que há memória no país vizinho, proferido no município de Barcelona em 1938, pelo presidente espanhol Manuel Azaña.

A guerra estava no auge, com centenas de milhares de vítimas já contabilizadas, e anteviam-se ainda muitos combates sangrentos. Azaña proferiu então as palavras que se impunham - mas que ninguém parece ter escutado durante décadas:

«Quando a tocha passar a outras mãos, a outros homens, a outras gerações, se alguma vez sentirem que lhes ferve o sangue iracundo e outra vez o génio espanhol voltar a enfurecer-se com a intolerância e o ódio e o apetite de destruição, devem pensar nos mortos e escutar a lição que nos transmitem: esses homens que caíram embravecidos na batalha, lutando magnanimamente por um ideal grandioso e que agora, abrigados na terra materna, já sem sentirem ódio nem alimentarem rancor, enviam-nos com o fulgor da sua luz, tranquila e remota como a de uma estrela, a mensagem da pátria eterna que diz a todos os seus filhos: paz, piedade, perdão.»

 

Estas palavras imortais de Azaña, figura trágica desses anos em que o incêndio de Espanha antecipou a mais devastadora de todas as guerras, deviam ressoar hoje como o dobre de um sino em sinal de alerta.

Quem não aprende com os erros da História está condenado a repeti-los.

7 comentários

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    Carlos Marques 17.07.2022

    Para os fachos, basta ser de Esquerda para se ser "totalitário". Para os fachos, aliás, basta não se ser facho para se ser de "esquerda". É por isso que hoje em dia, com a propaganda americanizada e as redes sociais, anda por aí à solta tanto maluquinho a chamar "esquerda" ao PS e ao PSOE, e a chamar "tatalitário", "estalinista", ou "extremista" aos BE e Podemos.

    Quanto ao "radicalismo" republicano, é algo que tenho com orgulho. Se eu tivesse vivido há um século atrás, teria tido orgulho de fazer parte da Carbonária, do grupo de heróis que libertaram os Portugueses da ditadura monárquica à força (e à razão) da bala.

    Em Espanha esse Republicanismo tem ainda mais razão de ser, e de ser radical. A Monarquia Espanhola só está no poder graças à ditadura assassina do Franquismo. E hoje em dia, se um Basco ou um Catalão quiserem votar em nome de um Direito Humano (Autodeterminação), levam com a guarda nacional, vinda das cortes de Madrid, no focinho, com bastões e balas de borracha.

    Perante isto, ser radicalmente Republicano é uma exigência. Não o ser, é tolice de colaboracionista.

    «Desenterrar os fantasmas do passado é de uma irresponsabilidade sem limites, numa proporção inversa ao espírito de concórdia que animou todos os sectores da sociedade espanhola naqueles dias de recuperação da liberdade após os anos de chumbo do franquismo» - diz o Pedro Correia

    Fui ver aos arquivos da internet, e nos "discursos" (entre aspas pois estou a referir zurros, e peço já perdão aos bichos de 4 patas pela comparação) muitas vezes aparece esse ataque a quem quer lembrar a história por inteiro, e ainda hoje desespera por justiça.
    Por exemplo, ainda hoje é preciso desenterrar ossadas de valas comuns para identificar corpos, a pedido de familiares que nunca puderam enterrar os seus heróis pró-democracia.

    E quando se conhece o assassino, fascista/franquista, muitos espanhóis têm de recorrer a tribunais na América do Sul, por exemplo na Argentina.
    Porque Espanha nem é um Estado de Direito, nem uma Democracia.
    Num Estado de Direito, quem matou tem de pagar por isso. Imagine-se chegar ao fim da 2ª Guerra Mundial, e não julgar os Nazis. Pois é exatamente isso que se passou no "espírito de concórdia" durante e após a transição.

    Parece-me bastante estúpido até citar gente do Partido Comunista, quando esse em Espanha já não existe, ou seja, já ninguém é representado por essas posições. E ainda por cima sabendo-se que muitas das valas comuns só se descobriram mais tarde. E que a transição (em vez de uma revolução para uma Democracia plena como aconteceu em Portugal) foi o cenário menos mau, o possível, nos anos 70 em Espanha.

    Mas meu caro, invocar os anos 70 por causa disto, e chamar irresponsável a quem hoje ainda clama por justiça, por história contada sem reescrita, por Estado de Direito, e por Democracia plena (que só existirá em Espanha depois de feitos os referendos à independência pelo menos no País Basco e na Catalunha) é só mais um dos pontos de vista completamente torçidos deste Pedro Correia.

    Imagine-se na Suiça, invocar-se os anos 70 para justificar o regresso a esse tempo em que a mulher ainda não podia votar. Imagine-se dizer que uma "democracia" incompleta (onde só metade da população tem os direitos) dos anos 70 deve continuar a servir de guia para os regimes actuais. Imagine-se querer olhar em 2022 para a história com os mesmos olhos de há 50 anos atrás.

    Imagine-se olhar para a Espanha e achar que a transição deve ser respeitada, sem qualquer progresso. Sabem o que isto é? É a posição FASCISTA de quem nunca gostou do 25-Abril-1974 em Portugal, e preferia que cá também a nossa transição (a chamada "Primavera Marcelista") tivesse sido o passo seguinte na história Portuguesa, e cristalizado até hoje num regime Português obviamente muito mais defeituoso que o actual.
    E já agora, é também o pensamento dos retornados e colonialistas que gostariam de nunca ter tido o fim da Guerra do Ultramar nem uma Constituição que tenha reconhecido o direito à Autodeterminação desses povos. Preferiam antes uma transição como a Espanhola, em que o "compromisso" é continuar em 2022 com os Espanhóis a ocupar os territórios Basco e Catalão.

    Que não aprende com os erros da história, repete-os. Sim. Mas pior é quem os recusa sequer corrigir!
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    Anónimo 17.07.2022

    O Carlos Marques escreve como se o lado franquista tivesse o exclusivo dos assassinatos e mais crimes horríveis que tiveram lugar na génese e duração da Guerra Civil Espanhola, quando na verdade, foram praticados por AMBAS partes.
    Esse é o seu revisionismo.
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    Migang 18.07.2022

    O Carlos Marques tem toda razão. Claro que houve da parte Republicana exageros, mas nunca poderemos comparar com os torcionários de Franco. Começo logo por perguntar: quem começou com o golpe de estado? Franco ganharia a guerra se não tivesse o apoio Nazi e Fascista? Alguma coisa se compara a Guernica? Depois de ganha a guerra, porque é que o Franco continuou com os fuzilamentos? Porque é que a direita espanhola, apelida de pró etarra toda a gente que é da esquerda Vasca, e vir todos os dias com o espantalho da ETA, apesar do terrorismo Vasco já ter acabado há mais de uma década? Porque é que a direita espanhola se alimenta, TODOS OS DIAS, com a ETA, apesar da mesma já ter sido totalmente desmantelada? E por fim, os descendentes dos fuzilados antifranquistas não têm direito a saber o que aconteceu aos seus antepassados e dar-lhe em funeral digno?
    É só isso.
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    Pedro Correia 18.07.2022

    Marques, que aplaude as atrocidades cometidas pelo comunofascista Putin na Ucrânia, incluindo o massacre de civis amplamente documentado, devia glorificar Franco.
    Condenar a Guernica basca de 1937 enquanto se glorificam as Guernicas ucranianas em 2022 é vigarice política, desonestidade ideológica e pulhice moral.
    Isto vale para Marques e para aqueles que fazem coro com ele.
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    Migang 18.07.2022

    O Putin comuna? Porra, Pedro Correia, isso não é fanatismo?
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    Pedro Correia 18.07.2022

    Putin pensa como um nazi, fala com um nazi, age como um nazi. E diz que o fim da URSS foi a maior tragédia do século XX.
    É, portanto, comunonazi.
    Aplaudido por comunistas e fascistas. Em Portugal também, até nesta caixa de comentários.
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