As canções da minha vida (6)
INDIAN SUMMER
1939
Há canções que nos vão chegando por vias ínvias. É o caso desta que vos falo hoje: Indian Summer, com uma das mais belas melodias e uma das mais pungentes letras que conheço, surgiu-me inicialmente em português como banda sonora do genérico da telenovela Ciranda de Pedra, exibida na RTP em 1981.
Acompanhei com indisfarçável fascínio esta luxuriante produção da Rede Globo com base num romance de Lygia Fagundes Telles. Gostei de tal maneira que não tardei a comprar esse livro e um outro da grande romancista brasileira, intitulado As Meninas.
Fiquei fã de Lygia. E também da canção, nessa versão do Quarteto em Cy: “Ontem / Na tarde formosa / No céu cor de rosa / Longe, longe / Divagando e pensando em ti fiquei / Tuas juras de amor eu recolherei // Melancolicamente / Lembrei o passado / Procurei-te ao meu lado / Triste sonho / Como o sol no poente morreu / Assim minh’ alma escureceu / Na solidão. / Noite, noite em meu coração.»
Estava então ainda longe de saber que este singular Céu Cor de Rosa era afinal Indian Summer, tema nascido em 1919 com outro nome, An American Idyll, graças ao talento musical de Victor Herbert (1859-1924), compositor irlandês que fez carreira como concertista na Áustria e na Alemanha antes de se radicar nos EUA. A música ligeira era apenas um veículo ocasional para Herbert arredondar a conta bancária ao fim do mês: no seu currículo como criador constam duas óperas, uma cantata, 43 operetas e 31 composições para orquestra.
Indian Summer ficou duas décadas na gaveta: era ainda só música, sem versos. Até Al Dubin (1891-1945) – um dos letristas mais prolíficos da Broadway, galardoado em 1936 com o Óscar da melhor canção em Hollywood, com Lullaby of Broadway, em parceria com Harry Warren – ter sido desafiado em 1938 pela filha de Herbert a conceber os versos mais adequados à partitura, que permanecia em pousio. Assim nasceu esta magnífica balada que nos fala de um amor para sempre dissolvido com a mudança de estação.
Corria o ano de 1939 quando começou a popularizar-se graças à gravação da orquestra de Tommy Dorsey, em ritmo de foxtrot, tendo como vocalista Jack Leonard. Êxito instantâneo desta faixa, com 3 minutos e 25 segundos de duração: 14 semanas no top musical, chegando a n.º 1. Outra grande banda, a de Glenn Miller, gravou-a no ano seguinte, também com inegável sucesso: oito semanas no top de vendas, atingindo a posição 8. A rádio, que iniciava a sua época de ouro, contribuiu para divulgar as duas versões.
E desde então Indian Summer nunca mais parou de partir corações, seduzindo um número incontável de intérpretes e ganhando estatuto de standard no universo do jazz logo a partir de 1940, com o clarinetista Sidney Bechet. Seguiu-se uma galeria de estrelas instrumentais e vocais, em sucessivas versões de luxo. Com destaque para as de Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan (com a orquestra de Count Basie), Chet Baker, Coleman Hawkins, Dave Brubeck e John Pizzarelli (com o quinteto de George Shearing), entre tantas outras.
Uma das que prefiro é a de Frank Sinatra, acompanhado pela orquestra de Duke Ellington (incluindo os magníficos solos de Johnny Hodges, campeão absoluto do saxofone tenor) numa gravação de 12 de Dezembro de 1967 que faz plena justiça ao original.
Lá no céu cor de rosa onde subiram, Victor Herbert e Al Dubin só podem estar orgulhosos da música e das palavras que criaram - hino outonal de tantos amantes vinculados à memória perpétua de uma paixão fugaz.
«Summer, you old Indian Summer, / You're the tear that comes after June time laughter. / You see so many dreams that don't come true, / Dreams we fashioned when Summer time was new.»