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Delito de Opinião

As autárquicas na minha terra - VII

Paulo Sousa, 26.09.21

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Quando a democracia era por cá uma absoluta novidade, terá sido diferente. Nesse tempo a política nacional entrava pelo quotidiano adentro de cada português, dominando os temas de conversas nos balcões dos cafés, nos locais de trabalho e nas refeições em família.

Com o passar dos anos, instalou-se a sensação de rotina que, sendo positiva por traduzir um costume enraizado, tem levado a uma indiferença que se manifesta também pela abstenção crescente. Podemos apontar como principal causa os equilíbrios estabelecidos pelos partidos que, como quem tranca as portas da casa, afastam os cidadãos daquela peça de teatro, de deixas previsíveis e enfadonhas, esvaziando e enfraquecendo assim as conquistas democráticas.

Apesar de isto se repetir em todos os actos eleitorais, as eleições autárquicas tem uma capacidade especial em desencadear um envolvimento popular intenso.

Qualquer partido que concorra aos diversos órgãos autárquicos e em todas as freguesias do concelho de Porto de Mós, necessita de angariar pelo menos 200 pessoas. Só para a Junta de Freguesia onde resido foram apresentadas cinco candidaturas e isso permite-nos aferir como é que, num meio mais ou menos rural como este, se torna quase impossível não ter pelo menos um familiar, um vizinho, um colega de escola, um amigo ou um ex-amigo, nos elencos das várias candidaturas, arrastando assim para dentro de cada campanha eleitoral velhas afinidades e conflitos.

Se a discussão do englobamentos dos rendimentos prediais no IRS, o apoio aos fornecedores da TAP ou o estatuto político administrativo dos Açores, podem ser assuntos estéreis de interesse para o cidadão comum, o mesmo não acontece quando estamos a falar num buraco à frente da porta, de uma mágoa antiga para com um fulano que está “a sujar” uma das listas, ou o modo como a mulher do Presidente a Junta respondeu a alguém na semana passada. Estes últimos, ao contrário dos primeiros, têm todo o potencial de definir o sentido de voto.

A tradicional forma de passar a mensagem do que se fez, ficou por fazer ou que se promete resolver, envolve um porta-à-porta a distribuir panfletos, acompanhado de carros decorados com as caras dos candidatos, bandeiras a esvoaçar e com alto-falantes a debitar o hino de campanha em contínuo, deixando atrás da sua passagem todos os cães a ladrar num alvoroço.

Mais recentemente, a troca de argumentos para angariar apoiantes chegou às redes sociais, e, como não podia deixar de ser, isso aumentou o nível do confronto entre as diferentes candidaturas e levou a que a agressividade subisse em flecha. Bem sabemos como se torna fácil teclar afirmações que nunca seriam ditas cara-a-cara e que, no momento seguinte, parecem legitimar uma reacção igualmente exagerada a estas, iniciando assim uma espiral quase imparável.

Demasiados dos envolvidos sentem-se tão estimulados pelas afirmações eventualmente falsas, incorrectas ou incompletas e pelos seus desmentidos, que entram a pés juntos contra tudo o que mexe, esquecendo-se que no dia após as eleições terão de continuar a cruzar-se uns com os outros. Esquecem-se também que uma parte muito significativa do eleitorado está alheada desta batalha em linha e que o consecutivo baixar de nível levará apenas a que alguns indecisos se sintam repugnados e mudem para o lado oposto.

Nestas últimas semanas vi um pouco de tudo isto, vi quem, mesmo debaixo de agressões rudes e sob pressão dos mais próximos, se tenha revelado pela elevação, assim como candidatos a cargos de responsabilidade a chafurdar nas poças mais malcheirosas das redes sociais e também a destruir material de campanha dos opositores, algo que dificilmente aconteceria numa eleição nacional.

Por mais que os media queiram noticiar este acto eleitoral, e a forma como se vivem as autárquicas em Portugal, tal é a diversidade de casos e são tantas as particularidades vividas em cada um dos 300 concelhos e mais de 3000 freguesias do país, que não têm forma de o fazer.

À excepção de bruscas viragens que possam acontecer nos grandes centros, não acho que faça muito sentido interpretar a soma dos resultados de cada uma destas pequenas bolhas, estanques e autónomas, e extrapolá-los para o todo nacional, como se de um aplauso ou uma vaia ao governo se tratasse. Mas enquanto as assembleias de voto não fecham e se espera pelo início da contagem, o tempo é de suspense. Esperemos, portanto.

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