As autárquicas na minha terra - VI
Na entrada para a última recta que terminará nas eleições do próximo domingo, os eventos promovidos pelas listas concorrentes estão ao rubro.
Estive hoje num comício aqui perto, na freguesia das Pedreiras, onde além das sandes de pernil de porco, sopa da pedra e minis, havia ainda animação a toque de concertinas e insufláveis para os mais novos. Excluindo a missa solene, em tudo se parecia com uma festa em honra de um qualquer orago deste nosso Portugal.
Depois dos discursos dos candidatos do PSD à Câmara e à Junta, falou ainda o senhor Rogério Vieira, o ainda Presidente da Freguesia. A lei que limita a três o número máximo de mandatos autárquicos, impede que se volte a candidatar, e por isso aproveitou a oportunidade para fazer como que um balanço e uma despedida do cargo.
Tendo sempre a dependência financeira e logística das Juntas relativamente às Câmaras Municipais como pano de fundo, noutras eleições, além da incógnita da respectiva vitória, o senhor Rogério teve sempre de lidar com a incerteza de quem viria a ser o Presidente de Câmara com o qual teria de trabalhar. Nos doze anos que agora terminam, foi candidato vencedor uma vez pelo PSD e outras duas por listas independentes. Lidou assim em dois mandatos com um presidente eleito pelo PS e mais recentemente com um do PSD.
O equilíbrio necessário para conseguir levar por diante todos os melhoramentos que ambicionou e sentiu serem necessários para a sua freguesia, exigiu-lhe sempre uma enorme sobriedade nas suas tomadas de posição em público.
O discurso que fez, resumiu esta delicada relação das Juntas com os Municípios, elencou uma imensa lista de obras, muitas delas que simplesmente anteciparam potenciais problemas e evitaram assim emergências posteriores, falou da falta de compreensão dos que preferem ficar em casa a disparar críticas mesmo sem saber a abrangência de cada problema, dos telefonemas que o arrancaram da cama a meio da noite, e também das muitas vezes que não respeitou a máxima que coloca a família em primeiro lugar.
O mesmo roteiro que, de quatro em quatro anos, fez de porta-a-porta a pedir um novo voto de confiança, repetiu-o mais recentemente a distribuir cinco máscaras por pessoa, quando estas estavam esgotadas em todo o lado.
Acrescentou que durante estes anos, nos mais de trezentos funerais realizados no cemitério que administra, só não pôde estar presente em cinco, tendo-se deslocado pessoalmente mais tarde a cada uma destas famílias enlutadas.
Aqui e ali, com alguma emoção à mistura, o senhor Rogério Vieira resumiu em breves minutos o que é ser-se Presidente da Junta numa freguesia rural, e que me atreveria a resumir como sendo um cuidador do território e dos seus habitantes, nas horas boas e nas horas más. É o cargo menos abonado de toda a pirâmide do estado, mas também o mais próximo de cada cidadão.
Discordei dele apenas num detalhe. Às páginas tantas disse que não era político, pois o que queria era apenas resolver os problemas dos seus fregueses. Este tipo de afirmação não é inédita, e é comum a quem não se sente confortável com as tricas e com as manobras nos bastidores das estruturas concelhias, distritais e nacionais dos partidos. Em vez disso prefere consumir a sua energia em melhorar a vida dos que o rodeiam. E discordei porque essa será a mais pura essência da política, e é praticada por muitas dezenas de cidadãos quase anónimos, que vivem longe do mundo mediático e que no fundo apenas se motivam com a força da consciência de pessoas boas que são. O senhor Rogério é um político e do melhor que há. Fazem falta pessoas assim noutras instâncias da hierarquia do Estado.
PS: Enquanto abandonava este comício, deparei-me com o rebentamento de uma conduta de água que corria abundante pela estrada. Um telefonema e um recado depois, foi desencadeada a acção necessária à resolução deste ruptura. Saí dali imaginando que o senhor Rogério já tinha interrompido a sandes de porco para acudir a mais uma ocorrência.