Apanhado em excesso de velocidade
João Matos Fernandes
Bem pode o Governo lançar cem campanhas de prevenção rodoviária: o comportamento de alguns dos seus membros persiste em condená-las ao insucesso. Conduzir ou ser conduzido de pé na tábua continua a ser uma espécie de vício nacional num país que já perdeu tanta gente famosa por morte prematura no asfalto. Ministros como Duarte Pacheco e Mário Firmino Miguel, actores como Angélico Vieira e Francisco Adam, cantores como Carlos Paião e Sara Carreira.
O pior é que ninguém parece aprender as devidas lições com o infortúnio dos outros. E o mau exemplo, nesta matéria, vem de cima. Há pouco mais de um mês, a 18 de Junho, a viatura oficial que transportava o ministro Eduardo Cabrita atropelou na A6 um cidadão chamado Nuno Santos, que fazia trabalhos de reparação e limpeza na berma da auto-estrada. Ignora-se ainda a velocidade a que seguia a viatura, mas não custa presumir que seguia em transgressão pelo simples facto de não haver marcas de travagem na via transformada em pista.
Um trabalhador morto por suposta incúria de condução alheia. Mais um, a pesar nas estatísticas. Devia servir de travão a novos excessos na estrada. Mas parece que não: a volúpia da velocidade permanece incólume. Apetece perguntar: tanta pressa para quê?
Escassos 17 dias após a trágica morte de Nuno Santos, outro automóvel com ministro a bordo teve destaque noticioso. Felizmente desta vez sem consequências funestas. Mérito de uma equipa de reportagem da TVI, que registou a ocorrência: a 5 de Julho, João Matos Fernandes foi transportado a 160 quilómetros por hora numa estrada nacional e a 200 quilómetros numa auto-estrada – neste caso a A2, bastante mais movimentada do que a A6.
Péssimo exemplo, a vários títulos. O limite de velocidade em auto-estrada está fixado em 120 km/hora. Quanto mais se acelera mais as emissões poluentes aumentam, comportamento duplamente censurável tratando-se do titular da pasta do Ambiente. Além disso o sentimento de impunidade favorece o pior dos populismos. E reforça a sensação de que existe uma casta de dirigentes a quem tudo é permitido.
Pior ainda é o jogo de passa-culpas em que João Matos Fernandes, imitando o seu colega da Administração Interna, logo se enredou: “Não era eu que conduzia e não me apercebi do que estava a acontecer”, declarou já esta semana, após um período de silêncio. É certo que acrescentou: “Isso não me desresponsabiliza em nada.” Mas a escolha da frase inicial certamente não resultou do acaso. Qualquer português sentiria a tentação de fazer o mesmo.
A questão é que a um membro do Executivo se exige muito mais. Por imperativo de cidadania e em nome da ética da responsabilidade. Noutros tempos, com outro critério, António Costa advertiu antes de exonerar um ministro: “Nem à mesa do café podem deixar de lembrar-se que são membros do Governo.”
Isto num país que registou 6880 vítimas mortais em desastres rodoviários na última década. Razão suficiente para tirar o pé do acelerador.
Texto publicado no semanário Novo