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Delito de Opinião

Antes pôr as mãos na água do que no fogo

Pedro Correia, 27.07.21

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Há verdadeiros mistérios nos canais informativos. Um deles acontece todas as semanas, na SIC Notícias. Nuno Rogeiro apresenta um excelente espaço de notícia e análise de temas internacionais em condições quase clandestinas: é remetido para o princípio da tarde de domingo, algures no Jornal das 2, numa rubrica de duração incerta intitulada “Leste Oeste”. Com direito a separador próprio, mas tratada como se a quisessem esconder.

Dia impróprio, horário impróprio. Merecia outro tempo e outro espaço. Porque este comentador fala do que mais ninguém diz, não apenas na SIC mas noutros canais de produção doméstica. A sua rubrica é uma genuína janela sobre o mundo num contexto televisivo que reduz o noticiário internacional a fenómenos climáticos, catástrofes naturais e acidentes em larga escala. Rogeiro rema contra esta maré tablóide, alargando-nos horizontes. E não raras vezes destaca o que os outros ignoram. Foi assim, por exemplo, no drama do terrorismo de matriz islâmica em Cabo Delgado: andou meses a mencionar este tema, a que mais ninguém ligava. Calculo o que terão dito vários editores nas mais diversas redacções: milhares de mortos sem ser por fogos ou cheias em Moçambique “não é notícia”. 

Quem tem lugar cativo nos alinhamentos televisivos é Marcelo Rebelo de Sousa – o “Tio Celito”, como muitos o conhecem em Angola. Consegue estar em foco precisamente quando não há notícia, fomentando corridas entre canais na tentativa de captar as imagens mais irrelevantes. O prémio, na recente deslocação de Marcelo a Luanda, coube a Tiago Contreiras, um dos enviados especiais da RTP: conseguiu imagens exclusivas do engravatado Presidente a molhar os dedos no oceano interdito a banhos e a dizer: “Está quente!”

Pensando bem, mais vale um político pôr as mãos na água do que no fogo. O “tio Celito” esteve em Luanda, tal como António Costa, para participar na cimeira comemorativa dos 25 anos da CPLP. Apesar das bodas de prata, quatro dos nove chefes do Estado faltaram: Jair Bolsonaro (Brasil), Filipe Nyusi (Moçambique), Francisco Guterres (Timor-Leste) e o controverso ditador da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang. O Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Embaló, deu lá um pulo mas saiu mais cedo. E o de São Tomé e Príncipe, Evaristo Carvalho, só pensa na despedida: o seu mandato chegou ao fim.

O aparente imobilismo da CPLP face ao drama de Cabo Delgado diz muito sobre a ineficácia desta organização, que devia “deixar de ser um clube de países amigos para descer aos cidadãos”, como acentuou Cândida Pinto, outra enviada especial da RTP a Luanda. Eis um tema que Nuno Rogeiro várias vezes tem abordado na sua rubrica. Faria muito bem a SIC Notícias em tirá-lo da clandestinidade, colocando o seu “Leste Oeste” em horário de maior audiência em vez de surgir como tapa-buracos das tardes de domingo. Fica a sugestão. O público-alvo do canal, cada vez mais exigente, certamente agradeceria.

 

Texto publicado no semanário Novo

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