Ano de prodígios
Agora que a poeira vai assentando, a Praça do Marquês terá sido limpa (e restaurada) e o PIB já aumentou em 5 pontos percentuais, deixo uma reflexão sobre o título do Benfica.
Há cerca de um ano andei dividido sobre o que pensar sobre Jorge Jesus. Procurei inclusivamente um comentário que tenho a ideia de ter feito para ver se eu teria defendido a sua saída ou permanência, mas não o encontrei. Sei que na altura via duas opções: a) reconhecer que Jesus tinha feito imenso pelo Benfica, especialmente pelo seu modelo de negócio, valorizando jogadores e praticando um futebol de ataque e entusiasmante ou; b) aceitar que perder os três troféus tão perto do fim (nas competições e jogos) demonstrava falta de espírito vitorioso e se arriscava a perder o balneário (como o incidente com Cardozo indiciava).
Tenho a ideia de ter defendido que Jesus deveria sair. Não acreditava que fosse capaz de ganhar de volta um balneário que quase não tinha mudado. Também tinha dúvidas que, tanto tempo depois, soubesse adaptar o seu jogo e ser capaz de "fechar o jogo" quando necessário, sem procurar mais um golo. Neste momento parece óbvio que eu estava errado ao pensá-lo.
Jesus teve no entanto ajuda. Por um lado a direcção - Vieira, Rui Costa ou outros - terão ajudado a manter o balneário unido e a acalmar os ânimos na sequência do caso Cardozo. Isso ajudou a apaziguar o balneário. Por outro lado, a injecção de novos jogadores criou mais competição e trouxe novos elementos sem passado com Jesus. Para eles o Benfica surgia como uma rampa de lançamento (Marković), uma nova oportunidade (Sílvio, Sulejmani), ou um passo em frente (Fejsa, Siqueira). A isto acresce outro elemento: a lesão de Cardozo deu a oportunidade a Jesus de apostar em Rodrigo, com dois benefícios: um futebol mais móvel e com maior capacidade de pressão, e o lançamento de (mais) um jogador de enorme qualidade. Também de notar foram as lesões a alguns jogadores. A de Cardozo, a de Sálvio (um jogador notável, mas que deu a oportunidade a Marković para brilhar) e uma ou outra que obrigaram Jesus a ver as vantagens da rotação (Rúben Amorim, André Almeida, Sílvio, André Gomes ganharam minutos graças a isso).
A última ajuda, ainda que uma que nenhum benfiquista queria alguma vez receber, foram as partidas de Eusébio, primeiro, e Coluna, depois. O Benfica até então jogava um futebol bom, com algum empenho às vezes e cuidado noutras. Após a partida dos dois monstros sagrados, o Benfica uniu-se como nunca antes. Os jogadores passaram a jogar para os dois (especialmente Eusébio, que conheciam) e a aplicar-se tanto no domínio como no controlo dos jogos. A injecção anímica resultante daquela semana consolidou o grupo e fez do Benfica mais equipa, sendo até capazes de superar a partida de Matić, o melhor jogador da equipa (na minha opinião).
A época ainda não terminou, naturalmente. Há mais três troféus para jogar. Depois de perder a oportunidade (algo quimérica) de jogar uma final europeia no seu estádio, o Benfica tem esta semana a oportunidade de negar a mesma oportunidade à Juventus. Se o Benfica acabar por vencer a Liga Europa (eu ainda considero a Juventus favorita e mais equipa) bem poderá agradecer a Eusébio outra coisa: a conversa que terá tido "lá em cima" com Guttmann a pedir-lhe que levante a maldição. Em ano de ressurreição de Jesus e morte dos monstros sagrados, não haveria melhor fim de época para o Benfica.