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Delito de Opinião

Anatomia de um afogamento

Luís Naves, 22.02.15

 

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Na política europeia, os partidos do governo e da oposição tinham o cuidado de não criticar as posições das delegações portuguesas nas cimeiras. O recente episódio grego acabou com esta regra informal. Um político-comentador com suposta informação privilegiada, Marques Mendes, criticava ontem a ministra das finanças por (pasme-se!) ter falado com o seu homólogo alemão. Um dirigente socialista, João Galamba, quer saber o que se passou exactamente no Eurogrupo, apesar de existir comunicado e de ali ter sido tomada uma decisão com desenvolvimentos na segunda-feira. O deputado está a tentar fazer um ataque político sem explicar ao seu eleitorado que Portugal aprovou a decisão. Sim, a avaliar pelo que tem sido publicado, até parece mentira, mas Portugal votou a favor da decisão.

O PS tenta passar a ideia de que houve uma oportunidade para reduzir a austeridade e que isso só não aconteceu devido à intransigência da ministra Maria Luís Albuquerque. A ausência de comunicação no Governo ajuda: o espaço de debate é dominado por pessoas que falam da falta de dignidade do governo, do alinhamento alemão da ministra, do fim imediato da Europa e das vantagens de sair do euro. É espantoso o silêncio do PSD enquanto a ministra das finanças é atacada por causa de um alegado alinhamento com a Alemanha, como se isso agora fosse crime de lesa-Pátria. Ninguém explica que Portugal nunca esteve isolado, enquanto a Grécia esteve sempre isolada. O ministro grego teve a suprema lata de dizer à RTP que a delegação portuguesa foi mais alemã do que a alemã, declaração pouco diplomática e até hostil, com a insinuação de que os portugueses não estão a defender os interesses do seu país, mas os da Alemanha. Portugal e Espanha estiveram sempre lado a lado, mas o grego não se atreveu a atacar os espanhóis. E dou de barato a intervenção de um dirigente do Syriza no comício do Bloco, onde há uma clara ameaça ao governo português (nunca antes tinha visto nada parecido, pois os dirigentes partidários abstêm-se de fazer este tipo de ataques quando participam em comícios de partidos homólogos).

Na opinião pública infiltra-se lentamente uma ideia perigosa: o patriotismo grego é coisa boa; o patriotismo português é coisa má; negociar com o governo alemão é subserviência se o ministro for português, mas é resistência se for grego.

 

A narrativa da intransigência portuguesa visa obter efeitos de política interna. A favor da maior dureza com a Grécia estavam pelo menos nove países: Espanha, Portugal, Eslováquia, Alemanha, Holanda, os três bálticos, Finlândia; Itália e Áustria deram uma no cravo e outra na ferradura. Pelo que tudo indica, o maior apoio a um compasso de espera veio da França e também da Comissão. Entretanto, os gregos diziam uma coisa lá dentro e duas cá fora, conforme em inglês ou em grego.

Antes da cimeira, a Grécia tentou objectivamente entalar Portugal, apostando no aumento das taxas de juro das obrigações portuguesas para pressionar a zona euro e obter cedências, provocando o pânico. Recusando o abraço do afogado, Portugal conseguiu evitar o aumento das taxas de juro, sendo bem sucedido na sua estratégia de se demarcar da Grécia. Caso Portugal tivesse tentado apoiar Atenas (tese da oposição), as taxas de juro tinham disparado, dificultando o financiamento externo da república.

Acho estranho que João Galamba não perceba isto e também acho estranho que Marques Mendes não o veja, embora o ataque a Maria Luís Albuquerque, percebida como delfim de Passos Coelho, seja relativamente compreensível num contexto de política interna. O PS quer ganhar as eleições e agarra-se a qualquer argumento, no PSD afiam-se as facas para a Era-pós Passos. Mas voltemos à decisão do Eurogrupo: a Grécia vai executar as reformas exigidas pelos parceiros, mantendo o essencial das medidas do governo anterior, e não tenho dúvidas de que a delegação grega, copiosamente derrotada na negociação, tenha agido por patriotismo, embora de forma inábil. No entanto, os interesses da Grécia não coincidiam com os nossos. Portugal já se livrou da troika e não quer novo resgate, está a pagar a dívida e financia-se nos mercados com juros historicamente baixos. A Grécia tem problemas muito diferentes, precisa de ajuda externa e vai para o terceiro resgate.

 

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