Análise: Portugal - Islândia
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O jogo de ontem fez-me lembrar frequentemente o único outro que vi até agora de princípio ao fim: o Bélgica-Itália.
Uma selecção apresentou-se como equipa, com o seu melhor jogador a não ser mais que uma peça extra e apenas mais um homem no sistema. A outra apresentou-se como uma colecção de indivíduos em que um deles é visto como superior aos outros. A diferença em relação ao outro jogo é que as peças individuais do onze que se apresentou como equipa não têm a mesma qualidade. Por isso o jogo terminou com um empate em vez de uma vitória da equipa em vez da colecção de indivíduos.
Nem vale a pena explicar quem era quem. A selecção portuguesa demonstrou enorme falta de familiaridade entre os vários jogadores, algo que nem sequer é muito compreensível, dado que o único jogador que é realmente novo é Renato Sanches e apenas entrou na segunda parte. A táctica portuguesa de tentar criar oportunidades para Cristiano Ronaldo brilhar demonstrou cedo ser algo deficiente contra uma equipa tão organizada e tão determinada em mostrar que não tinha medo e que retira prazer de um jogo muito físico. João Mário e André Gomes tiveram problemas em equilibrar as exigências de serem criativos pelo centro e apoiarem as alas. Quando no centro causaram congestionamento com um João Moutinmho abaixo do seu melhor. Nas alas demonstraram dificuldades em apoiar os laterais da forma como estes estariam habituados.
Isto poderá soar estranho quando o golo de Portugal nasceu de uma jogada pelo flanco com André Gomes e Vieirinha, mas uma andorinha não faz a Primavera e se o golo serviu para alguma coisa em termos tácticos, foi para demonstrar que Portugal tinha ali uma forma de causar problemas aos islandeses mas não sabia como o fazer. Já o golo islandês, que levará ao apontar de dedos a Vieirinha (que teve culpas óbvias ao perder o islandês nas suas costas), exemplificou o problema da falta de apoio dos médios aos laterais: Guerreiro teve de lidar com dois adversários e deu demasiado tempo ao islandês para fazer o cruzamento (André Gomes chegou atrasado) que encontrou o marcador do golo. Um ala estaria mais preparado para recuar em apoio ao lateral.
Uma vez em desvantagem foi clara a falta de um líder na selecção que dissesse à equipa para ter calma e voltar ao princípio, a um futebol mais calmo, menos precipitado e que procurasse espaços na muralha islandesa. Ao invés Fernando Santos fez entrar jogadores que aumentaram ainda mais a ansiedade: Renato Sanches é um jogador muito dinâmico mas pouco dado a um jogo controlado, Quaresma seria mais lógico mas não substituindo outro médio, o que indiciou que Santos estaria ansioso e com Éder apenas houve convites a cruzamentos para a área com os quais os islandeses estavam confortáveis.
Haverá alguma tendência a culpar Ronaldo e Nani por perderem excelentes oportunidades de fazer o golo quando livres para cabecear, mas por muito bons que sejam os jogadores, não se pode esperar que marquem golos em todas e quaisquer oportunidades que tenham. Claro que espero que o façam, mas exisgi-lo é excessivo.
Para o jogo com a Áustria há a vantagem de eles terem certa necessidade de vencer, depois da inesperada derrota contra a Hungria. O cartão vermelho a Dragović também ajudará. É provável que Portugal encontre mais espaços e, se acertar certas agulhas, poderá estar melhor. Ajudaria que Adrien entrasse para o lugar de Moutinho, que está muito abaixo do seu melhor. Talvez haja vantagens em ter William Carvalho pela sua qualidade de passe, mas pessoalmente continuo a ter dúvidas se será consistente o suficiente a este nível. Apesar de tudo, Danilo ontem foi completamente irrelevante, não ganhando quaisquer duelos de cabeça e sendo constantemente contornado nos ataques dos islandeses.
Guerreirõ esteve bem e apenas necessita de mais apoio defensivamente. O mesmo para o lateral direito, que provavelmente deveria ser Cédric Soares (Cancelo teria sido uma boa opção nos 23...) para dar segurança defensiva (há uma estranha obsessão pelas características atacantes dos laterais, cuja principal função deveria ser defender...). Ricardo Carvalho esteve tão bem quanto se poderia desejar, mas a idade nota-se (perdeu duelos físicos que não perderia há 4 ou 5 anos). Pepe é mais fiável, mas está sempre a um passo de levar um vermelho (ontem deveria ter sido retirado assim que tentou atingir um islandês com os pés). Dada a falta de alternativas fiáveis (Bruno Alves é um desastre ambulante), José Fonte seria uma boa alternativa a Carvalho, mas a falta de rotinas com Pepe seria provavelmente exposta. A verdade é que Portugal não criou alternativas para o torneio e isso irá tornar-se evidente se os resultados não começarem a melhorar e a criar a confiança que mascara as deficiências.
Por fim um comentário sobre as palavras de Ronaldo acerca de "mentalidade de país pequeno" da Islândia. A Islândia é um país de 330 mil habitantes, apenas 100 mil mais que a Madeira, arquipélago que, apesar de ter "produzido" Ronaldo, não deve ter enviado mais nenhum jogador a torneios internacionais. É um país onde mais de 60% do terreno é tundra e onde a esmagadora maioria da área é inabitada. A temperatura mínima permite gelo em 7 dos 12 meses. O facto de estarem no Europeu é já de si notável (qualificaram-se num grupo com República Checa, Holanda e Turquia). O empate que obtiveram foi completamente merecido e nada fortuito. Os comentários de Ronaldo não são simplesmente deselegantes: são uma completa falta de respeito por uma equipa que conhece as suas limitações, deu tudo em campo e respeitou completamente os seus adversários. Não é a primeira vez que Ronaldo faz comentários destes e, como capitão, não od deveria fazer. Parte dos problemas de Portugal nascem também disto: de ter ocmo capitão alguém que não tem uma pinga de qualidades de liderança.