Análise: Portugal - Áustria
Também aqui.
Mais um jogo, mais uma oportunidade perdida de vencer. Portugal jogou melhor que contra a Islândia (parcialmente porque os austríacos jogaram mais abertos) e criou suficientes oportunidades, mas continuou a não conseguir concretizar. Cristiano Ronaldo perdeu diversas oportunidades mas, mais que aquelas que falhou, notou-se que não está ao seu melhor do ponto de vista físico. As mudanças de jogadores tiveram alguns pontos positivos mas talvez pudessem ter sido outras. Portugal acaba por ficar quase obrigado a vencer contra a Hungria (líder do grupo) para poder garantir o apuramento.
Táctica
No início do jogo notaram-se duas mudanças em relação ao jogo contra a Islândia: saiu João Mário e entrou Ricardo Quaresma; saiu Danilo e entrou William Carvalho. Esta segunda mudança não modificava o desenho táctico da equipa, mesmo que mudasse a abordagem (WC passa melhor a bola que Danilo). Já a entrada de Quaresma mudava o desenho. Fiquei com a impressão que Fernando Santos quis manter o 4-4-2 mas dadas as características de Quaresma, parecia-se muitas vezes com um 4-3-3 descaído para a direita. Chamar à táctica um 4-3,5-2,5 não seria errado.
Isto em si não estaria mal pensado. As principais armas atacantes dos austríacos eram Alaba no centro e Arnautović na esquerda. Se a ameaça de Alaba era controlada directamente por William Carvalho, Vieirinha tinha que enfrentar Arnautović. Isto fazia com que tivesse que ser mais moderado nas suas investidas ofensivas e por isso fazia sentido colocar desse lado um jogador com caracaterísticas de ala. Na esquerda, onde os austríacos eram menos perigosos, Raphaël Guerreiro podia aventurar-se e deixar André Gomes procurar o centro mais vezes.
Neste sentido não nos poderemos queixar em demasia. Portugal criou oportunidades muito cedo e, se alguma delas tivesse entrado, talvez estivéssemos agora a falar de uma vitória clara. William Carvalho emprestou necessária qualidade de passe no meio campo, ele e André Gomes fizeram o que puderam para compensar o medíocre jogo de Moutinho e Quaresma foi atormentando o capitão austríaco, Christian Fuchs (recentemente vencedor da liga inglesa com o Leicester).
Ronaldo era o problema: se a equipa é construída para explorar as suas capacidades, acaba por não produzir muito caso elas não estejam ao máximo. Nani teve algumas oportunidades mas acabou a ir para o flanco esquerdo para apoiar Guerreiro e compensar as movimentações de André Gomes para o centro. Faltou também alguém que aproveitasse os espaços entre defesa e meio-campo. Ronaldo tentava-o, mas as suas características são outras e sempre que descia levava a companhia de dois austríacos. Para piorar as coisas, não havia nenhum médio que subisse para compensar o espaço que ficava vago na defesa austríaca (Raúl Meireles já não faz parte destas contas, mas as suas movimentações são precisamente aquilo que Portugal estaria a necessitar).
Com o tempo (especialmente na segunda parte) Quaresma foi desaparecendo (por vezes esquecemo-nos que já tem 32 anos de idade) e, com Moutinho em subrendimento, Portugal foi perdendo controle do jogo. No fim Santos regressou ao plano básico: dois alas, um ponta de lança grande e cruzamentos para a área. Os austríacos agradeceram esse final de jogo.
Individualmente
João Moutinho, por muito que seja uma figura essencial na selecção, não está nem sequer perto do seu melhor. Não consegue oferecer criatividade ao ataque e não transmite energia no meio campo. No passado pensei que tivesse sido melhor escolha para campitão que Cristiano Ronaldo. Nesta forma talvez não o merecesse, por outro lado talvez o ajudasse a elevar o seu jogo.
André Gomes e William Carvalho conseguiram ir segurando o meio campo. Não consigo ainda avaliar William Carvalho: tenho dúvidas em relação à sua capacidade defensiva quando os adversários o contornam (prefere fazer jogging na persguição do que correr de forma intensa) mas tem um sentido posicional impecável. No sábado esteve excelente e a sua qualidade de passe foi de um par de ordens de grandeza melhor que a de Danilo. André Gomes parece por vezes invisível mas bola nos seus pés raramente é perdida, apesar do grau de dificuldade dos dribles e passes que tenta. Foi um pronto socorro do meio campo português quando colegas tinham posse de bola, oferecendo mais uma opção de passe e frequentemente evitando a pressão passando a bola por buracos de agulha para colegas completamente livres. Não esteve envolvido directamente nas jogadas de maior perigo, mas foi frequentemente o facilitador inicial nelas.
Ricardo Carvalho, ao contrário do que muitos dizem, mostra bem a sua idade. Fá-lo com a sua falta de velocidade e de poder de choque. Não o podemos criticar por ter a idade que tem, especialmente quando a sua leitura de jogo e sentido posicional vão compensando (pelo menos contra adversários mais fracos como os avançados austríacos ou islandeses). Pelo menos tem sido melhor que Pepe.
Vieirinha foi muito criticado (correctamente) pelo seu papel no golo sofrido no primeiro jogo. Neste jogo enfrentou Arnautović e foi mais moderado. Manteve a posição, atacou menos e mais pela certa (excepto nos cruzamentos) e teve uma intercepção fantástica mesmo no final da primeira parte ao negar o golo aos austríacos após um livre de Alaba (Patrício teve aqui a sua nota mais fraca - deveria ter interceptado essa bola na pequena área).
Raphaël Guerreiro e Rui Patrício foram sólidos. Patrício teve apenas um erro e estev impecável em mais alguns outros momentos. Guerreiro garantiu que Portugal tinha ala esquerda e conseguiu também parar muitas jogadas de ataque austríacas. Tem arestas para limar e espero se Thomas Tuchel o conseguir em Dortmund deixaremos de sentir a falta de Coentrão.
Quaresma deixou-me a pensar que deveria entrar apenas a partir do banco, para melhor impacto. Notou-se que já não tem as pernas de outrora (como não poderia deixar de ser) e por isso teve problemas em ultrapassar Fuchs quando este notou que a melhor maneira de defender seria colar-se ao português. Sem espaço para os dribles em velocidade ou sem as acelerações de outrora, Quaresma desapareceu do jogo e nem os cruzamentos lhe saíram bem.
Nani é um caso curioso: com estes jogos fica-me a sensação que teria sido melhor jogador numa posição de segundo avançado, semelhante a João Vieira Pinto. Como se desenvolveu numa era em que essa posição foi desaparecendo, acabou como ala. Hoje em dia, com um regresso ao 4-4-2 (mais maleável que no passado) poderá estar a reinventar-se. Necessita no entanto de um verdadeiro ponta de lança ao lado, alguém que seja referência e, ou fixe centrais ou os faça sair da posição. Ronaldo não se conforma com nenhum dos casos e Nani sofre um pouco por isso.
Cristiano Ronaldo é um problema por si mesmo (neste post abordo o assunto em mais detalhe). Está obviamente cansado e fora de forma física. Também está com pouca confiança. Isso resolve-se rapidamente se marcar algum golo, mas sem o fazer o problema apenas se agravará. Penso que Ronaldo começa a sentir que o corpo não reage da mesma forma e, sendo alguém com justificado orgulho nele, isso começará a afectá-lo e a introduzir dúvidas no seu jogo. No jogo de sábado isso viu-se: se tivesse marcado numa das primeiras oportunidades teria possivelmente feito mais um ou dois golos. Desta forma a cada oportunidade perdida aumentaram as probabilidades de falhar a seguinte. O penalty demonstrou-o: em geral não arrisca colocá-lo tanto mas perante a falta de confiança com a exibição do guarda-redes poderá ter decidido colocar tanto quanto possível e acabou por acertar no poste. Portugal vive e morre por Ronaldo neste Euro. Seria importante que o CR7 regressasse ao jogo.
Expectativas
Portugal tem agora um objectivo claro: vencer a Hungria. Curiosamente, se o fizer e por mais golos que uma hipotética vitória islandesa sobre a Áustria acaba como primeiro (qualquer outro resultado no Islândia-Áustria levaria Portugal ao primeiro lugar no grupo). Se isso acontecer Portugal enfrentará a Bélgica (ou a Suécia, se conseguir vencer o jogo entre as duas). Isso seria provavelmente menos favorável que enfrentar o segundo classificado do grupo B (potencialmente Eslováquia ou Gales, saber-se-à hoje à noite). Sei qual preferiria. Em qualquer caso, basta um bom início contra a Hungria (quase garantidamente apurada) para vencer o jogo. A qualidade está lá. Como em quase tudo o resto, muito dependerá de Ronaldo atingir a sua melhor forma.