Ambiente de trabalho VIII
A glorificação do empreendedorismo abriu caminho à proletarização do trabalho intelectual. A partir do momento em que a iniciativa empresarial se transformou em valor supremo, os dependentes, aqueles que pela sua natureza ou pela natureza do seu trabalho exercem a sua profissão por conta de outrem, passaram à condição de subalternos, independentemente do seu nível de competências.
Esta simplificação, que dividiu o mundo do trabalho em dois, colocou do lado dos assalariados um conjunto indiferenciado de profissionais, de cientistas e arquitectos, a trolhas e empregadas de limpeza. Segundo esta nova ordem, passaram a equivaler-se, na medida em que uns e outros não detêm o único e verdadeiro poder, o do dinheiro.
A curva descendente que levou a que a maioria dos licenciados passasse a ganhar salários absolutamente desajustados do seu nível de preparação e conhecimentos começou com esta desvalorização social indiferenciada dos assalariados, algo que conduziu à desvalorização profissional e correspondente descida de salários.
O argumento de que os impostos são elevados para quem contrata, sempre usado pelos empregadores para justificar porque pagam tão mal, não explica a existência neste país de um fosso cada vez maior entre pobres e ricos. A falta de ética, sim.
Até porque não é só de salários baixos que se faz esta nova cultura empresarial. As ilegalidades são uma constante e praticam-se com crescente despudor. A avaliar pelos casos de abuso que me vão chegando aos ouvidos, através da geração que na minha família está a entrar no mercado de trabalho e da sua rede de amigos, e de amigos de amigos destes, percebo até que ponto a cultura do trabalho, no país, se tem degradado. Há já quem queira admitir jovens licenciados à experiência sem lhes revelar o salário que pretendem pagar e a partir de quando; há quem anuncie sem embaraço que “nas semanas em que há feriado, o feriado conta como folga”; o hábito de pagar um x por debaixo da mesa está instituído; o pagamento de horas extraordinárias está fora de questão; o aumento de salário, idem; o direito a “desligar” à noite e aos fins-de-semana não é sequer tema de conversa. Não admira que os jovens estejam a fugir deste país ao ritmo a que fugiam da guerra colonial nos anos 60.
É a economia? A inépcia de quem nos tem governado? Sim, mas também esta falta de civismo, tão tuga. O oportunismo sonso dos muitos que podiam contribuir para o aumento do salário médio em Portugal, mas que aproveitam os saldos para comprar “talento” ao preço da uva mijona. O talento de que precisam para manter os seus projectos de pé. Porque o espírito de iniciativa não é tudo. Mas isso, claro, quando reconhecem, é no tom paternalista que reservam ao elogio dos subalternos.