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Delito de Opinião

Amarga lição para o Bloco

Pedro Correia, 14.07.20

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Pablo Iglesias: «derrota sem paliativos» na Galiza e no País Basco

 

Sabe-se hoje que o Bloco de Esquerda esteve a um passo de integrar um Governo de coligação com os socialistas, em Novembro de 2015. Naquela altura António Costa estava disposto a tudo para ascender ao poder na sequência imediata da derrota aritmética sofrida nas legislativas, meses após ter defenestrado o seu camarada António José Seguro por averbar uma vitória eleitoral nas europeias que lhe soube a "poucochinho".

Durante alguns dias, diversos cenários foram equacionados. Só a intransigente recusa do PCP em participar no Executivo fez recuar o BE. O partido da foice e do martelo vive permanentemente assombrado com o fantasma de 1981, quando François Mitterrand integrou quatro ministros comunistas num Executivo de coligação dominado pelos socialistas em Paris: foi o primeiro passo para a irremediável decadência do Partido Comunista, que chegou a ser o mais votado em França e hoje está quase extinto.

O BE não quis deixar o PCP à solta na oposição de esquerda a Costa: os dois partidos detestam-se e vigiam-se mutuamente, monitorizando cada passo. Assim nasceu a chamada "geringonça" - solução esdrúxula em que todos se uniam pela negativa, rejeitando novo Executivo PSD/CDS, mas sem acordo de legislatura além de umas linhas rabiscadas à sucapa num gabinete parlamentar com os jornalistas mantidos à distância e nem uma câmara de televisão a registar o acontecimento. Como se tivessem vergonha uns dos outros.

 

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Um papel rabiscado à pressa: assim nascia a "geringonça"

 

A verdade é que, desta forma, Costa conseguiu o melhor de dois mundos: a troco de cedências mínimas, viu todos os Orçamentos do Estado aprovados sem o ónus de trabalhar com ministros filiados noutras forças partidárias. Vocacionado para exercer como força de protesto, cada vez mais simbólico e residual, o PCP fez um enorme favor ao primeiro-ministro. 

Mas também acabou por fazer um favor ao Bloco. Repare-se no que acaba de suceder em Espanha: em duas importantes eleições de âmbito regional - as primeiras ali realizadas desde a formação da aliança governativa entre PSOE e Unidas Podemos (UP), marca similar ao BE no país vizinho - a grande derrotada foi precisamente a esquerda radical, hoje com cinco representantes no Conselho de Ministros. Incluindo uma das vice-presidências do Governo: a da área social, confiada a Pablo Iglesias.

É o primeiro Governo de coligação em Espanha desde 1936. E é também a primeira vez desde a precária "Frente Popular" formada nesse ano que a esquerda de matriz marxista-leninista ascende ali a postos governativos. Seis meses depois, já com graves consequências para os seus desígnios: a formação liderada por Iglesias acaba de sofrer duas vergastadas nas eleições autonómicas disputadas em terrenos emblemáticos. Fica sem representação no parlamento da Galiza, onde há quatro anos fora a segunda força mais votada, com 14 deputados e 19% dos votos (agora só conseguiu 4%), e perde quase metade do seu elenco parlamentar no País Basco, onde cai para o quarto posto, recuando de 11 para seis deputados e baixando de 15% para 8%.

«Uma derrota sem paliativos», como a descreveu o próprio Iglesias numa mensagem do Twitter - única reacção de um dirigente nacional da UP na noite eleitoral de domingo, dominada pelas vitórias do Partido Popular na Galiza e do Partido Nacionalista (conservador moderado) no País Basco. A chamada "verdadeira esquerda", que ascendeu ao poder nas circunstâncias mais adversas (após ter registado um claro recuo nas urnas a nível nacional e escassas semanas antes do início da crise pandémica) paga agora o preço da erosão governativa. E também das suas fracturas internas: na Galiza, Iglesias impôs um fiel à revelia das estruturas locais, desmobilizando as bases; no País Basco, a marca UP - que congrega várias forças à esquerda do PSOE - teve quatro líderes em cinco anos. 

 

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Catarina e Costa: antes ser Sísifo do que Fausto

 

Catarina Martins olha para estes catastróficos resultados do seu camarada Iglesias e certamente já terá agradecido intimamente ao PCP o favor de ter contribuído para manter o Bloco fora do Governo, mesmo com os socialistas sem maioria. Porque a derrocada dos "podemistas" em Espanha ilustra bem o dilema insolúvel das forças políticas situadas à esquerda do PS em Portugal: o poder, para elas, situa-se sempre numa dimensão utópica. Optam por Sísifo em vez de Fausto: estão condenadas a reclamá-lo em permanência sem jamais cederem à tentação de o experimentar. Só assim evitam um rápido declínio e a imparável extinção.

Eis uma amarga lição para todos aqueles que, no interior do Bloco, ainda sonham com um lugar no Conselho de Ministros. É a vida, como dizia o outro.