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Delito de Opinião

Alterações climáticas, modo de usar

José Meireles Graça, 20.10.19

Há pouco mais de 15 dias, soprava um vento de loucura naquela parte do mundo em que os políticos vivem no afã de agradar à opinião pública, e que se traduziu em manifestações gigantescas, ansiosas pela çalvação da Terra (grafo assim em homenagem à literacia das gerações mais bem formadas de sempre e para traduzir o respeito que me merecem estas exaltações), e no endeusamento de uma pobre rapariga que o acaso, e uma obsessão doentia, catapultaram para as gordas dos jornais e os areópagos onde se reúnem os grandes deste mundo, onde aponta o dedo tremente e acusador ao nosso egoísmo, ao capitalismo, à sociedade de consumo e às palhinhas de plástico.

Roubaram-lhe os sonhos e a infância, dizia a moça, insultando sem maldade as crianças, e são milhões, que não têm nem escola, nem alimentação decente, nem assistência na doença, nem sapatos, tudo o que ela teve, e que não terão nunca a maior parte dessas coisas se o crescimento económico for peado por fundamentalismos ambientalistas. Greta, ao crescimento, chama “conto de fadas”.

Nada de novo: a boa menina não é decerto comunista, nem o são os milhões de jovens que se manifestam a favor do ambiente, enquanto deixam atrás de si mares de embalagens dos produtos industriais com que se alimentam, e da propaganda engenhosa, às vezes divertida, que empunham em cartazes de “luta”, sem todavia os usarem para rebentar a cabeça dos poluidores que, se não forem funcionários públicos,  empregam os seus pais – uns queridos. Eles não são comunistas mas uma parte deste discurso é, e toda a Esquerda o compra, mas nem toda a Direita. Compreende-se: Todos os regimes comunistas falharam miseravelmente na criação de sociedades de consumo, mas não desapareceu em muitas pessoas o anseio pela igualdade material que mora no coração dos invejosos, dos generosos ingénuos e de muitos que não entendem o motor da criação de riqueza, que é a diferença e não a igualdade. Ora, se há uma tese, que tanta gente compra, de que o consumo é o inimigo, tanto melhor, chega-se lá por outro caminho; e nas variantes social-democratas o apelo não é a demência igualitarista mas o reforço dos poderes do Estado, coisa para a qual na maior parte tais doutrinas não têm suficientes anticorpos.

Tudo isto tem um lado estranho porque sobre as leis da termodinâmica, ou da relatividade, não há divergências; mas sobre o aquecimento global, reciclado no redundante alterações climáticas – as alterações são inerentes ao clima – há. Isto decorre de na comunidade científica começar a desenhar-se um princípio de consenso sobre a existência das alterações a um ritmo superior ao do passado, o que causa grande consternação; e de a origem dessa aceleração sermos nós, ou melhor aqueles de nós que comem melhor, viajam mais, e se rodeiam dos mais diversos aparelhos para tornar a vida cómoda e leve. Mas o consenso, por definição, nada tem de científico, a não ser nas ciências sociais, que são sociais mas não são ciências; e por cada três albardados de doutoramentos que, com olhos pávidos, nos intimam a mudar de vida e adoptarmos a miséria dos países em que, por se consumir pouco, pouco se polui, há pelo menos um, igualmente qualificado, por muito que se lhe chame velho, ou vendido a interesses obscuros, ou carecido de formação específica na área, que diz que os dados não são de confiança. É pouco provável que as nossas actividades tenham tanta importância e produzam tantos efeitos quanto os que se lhes atribui, mas quase certo que no modelo de raciocínio, e previsional, dos catastrofistas, faltam elementos. Para não falar dos que, aceitando que o aquecimento existe, e são cada vez mais, nele veem algum benefício a par de enormes problemas.

Talvez faltem elementos, e por isso as melhores cabeças, e os organismos mais sérios, revestem as suas previsões de inuendos e ressalvas, que após tradução em jornalistês chegam à opinião pública em forma de hecatombe. E depois, é grande a lista das desgraças para as quais, desde o fim dos anos 60, os especialistas nos preveniram: nova Idade do Gelo, desaparecimento da camada de ozono, eliminação da vida nos lagos por causa das chuvas ácidas, desaparecimento de ilhas – as Maldivas, coitadas, viram o seu funeral previsto para 2018, e ainda lá estão – fome para 2012 se não deixássemos de comer peixe, carne e produtos lácteos, desaparecimento por exaustão dos combustíveis fósseis… a lista é enorme, recheada de nomes ilustres na ciência e estrelas como Al Gore, o profissional mais conhecido de previsões falhadas e tretas sortidas. De resto, a tendência acentua-se: não há uma semana em que não sejamos informados que vamos morrer aos milhões daqui a alguns anos (os prazos têm aumentado porque quando chegarem ao termo convém que quem os estabeleceu, e com isso ganhou fama e proveito, já cá não esteja). Não que interesse muito: dantes as pessoas confiavam no padre e na Santa Madre Igreja da qual ele era o representante; e agora acreditam no cientista que vem à televisão e diz que o mundo vai acabar se continuarmos a cometer pecados. Tal como dantes, porém, é pouco provável que o pecado acabe, por muita manifestação às sextas-feiras, concorrida por moços com acne, e por muito que os políticos jurem que vão descarbonizar e não sei quê: a doença da juventude cura-se, na maior parte dos casos, com a idade; os jovens, por cujos interesses todos juram e cujas opiniões todos lisonjeiam, são uma minoria crescentemente minoritária; e os adultos estão dispostos a fazer alguma coisa, mas não a ver a vida a andar para trás..

Os grandes do mundo fingem-se contristados, e os mais ingénuos de entre eles talvez estejam. Mas todos os que governam países onde a opinião pública está amordaçada, como na China de Xi Jinping, ou a Índia, onde os habitantes estão excessivamente ocupados a encontrar o que comer, brilham pela discrição, mesmo que se encontrem nos lugares cimeiros do pódio da poluição. Fazem bem.

Não há planeta B, disse com gravidade o nosso Presidente, e temos a meta ambiciosa de descarbonizar o país até 2050, anunciou com determinação o nosso PM, que poderá repoltrear-se nessa grandiosa conquista na condição de reformado. Ambos se situam bem no campeonato do paleio da moda progressista, mas não são excepção – por todo o lado os governantes e candidatos em eleições se apressam a lisonjear a opinião pública aflita.

Não está mal, é aliás inevitável e um módico de prudência aconselha a olhar para estas questões sem parti-pris dramáticos mas também com a cabeça suficientemente fria para evitar males maiores, se forem credíveis, amaciá-los onde possa ser, e sempre tendo presente que não há poluição de origem antropogénica sem pessoas e estas multiplicam-se mais no mundo subdesenvolvido. No desenvolvido, mormente no que se autoflagela sob o peso da culpa, a população tende a diminuir.

Que deve então fazer o bom cidadão antigamente temente a Deus e hoje à Autoridade Tributária, aflito para chegar ao fim do mês e que não consegue evitar a coorte de investigadores, universitários sortidos, agitadores, propagandistas, políticos, que o intimam pela televisão e pelos jornais a mudar de vida?

Algumas coisas: i) Não confiar em nada do que digam pessoas que queiram contrabandear, à boleia de problemas ecológicos, reais ou imaginários, modelos de sociedade alternativos que se parecem excessivamente com os que foram enterrados com o esboroar da URSS; ii) Procurar, sempre que são citados estudos de fontes prestigiadas, ir ver as fontes e não confiar em resumos – quem resume simplifica, trunca, distorce, elimina reservas, e com frequência vende um drama certo, e uma solução simplista, para um problema que não o será tanto, e cujo remédio, por ser com frequência político, raramente é único, muito menos simples, e pode implicar trade-offs; iii) Se se tratar de personalidades singulares, convém saber quem são, que currículo têm, que interesses servem, se alguns, quem os financia (estudos sérios são caros), e o que dizem adversários, no caso de terem qualificações do mesmo grau; iv) Adoptar uma atitude de cepticismo militante em relação a cientistas, quando o discurso tresande a savonarolas ou malagridas. Os cientistas, como os magistrados, os professores universitários, os médicos e os burocratas de organismos supranacionais, tendem, se os deixarem, a reivindicarem para si o papel de pastores da grei, e não apenas conselheiros. Isto porque eles sabem enquanto nós somos ignorantes. Mas os próprios sapateiros, se os deixassem, haveriam de estabelecer regras osteopáticas severas para aqueles cidadãos, e são muitos, que têm o hábito deplorável de cambar mais os sapatos de um dos lados; v) Sempre que a recomendação para adopção de novos hábitos (por exemplo, substituição de plásticos por materiais biodegradáveis ou redução do consumo de combustíveis) se faça pela via da impostagem, exigir que o acréscimo de receita pelo novo imposto, ou pelo aumento do velho, seja compensado (efectiva e automaticamente, e não apenas como promessa) por redução de outros, pelo menos no mesmo montante; v) Ter presente o peso insignificante de Portugal no mundo, seja demograficamente, no PIB ou na poluição, e evitar a tentação voluntarista de ser campeão das medidas quando outros, mais desenvolvidos e/ou mais poluidores, mas menos ingénuos, arrastam os pés  para as pôr em prática; vi) Desconfiar sempre de limitações à liberdade individual em nome de bens maiores colectivos. Comprimir a liberdade dos outros é natural para trezentos tipos de iluminados e reformadores sociais sortidos, mas é uma porta que é tão grave abrir ainda mais que, para a fechar, se justifica desobediência civil; vii) Confiar em que uma das razões por que as previsões tendem a falhar, além das afloradas, é que as projecções para o futuro nunca entram, nem podem entrar, em linha de conta com o progresso científico e tecnológico. E se alguma coisa deveríamos saber é que só não morremos quase todos de fome (não obstante as muito científicas, e reiteradas, previsões de que isso sucederia) porque a ciência e a tecnologia intervieram, produzindo-se hoje muito mais em muito menos terra.  A ciência não acaba, e os seus prodígios também não: até mesmo para algumas espécies extintas (um aparte: o desaparecimento de espécies É, efectivamente, um empobrecimento da humanidade) há agora esperança legítima de renascimento, como no fascinante caso do auroque; e já há, diz-se, bactérias engenheiradas que se alimentam de plástico – entre outras maravilhas; viii) Não perder o sono. O pessoal político, nas ditaduras, não é suicida, nem necessariamente demente, nem tem dificuldades em impor comportamentos, se forem absolutamente necessários, para além dos que já são para permitir a sobrevivência do regime, a benefício do ambiente;  e nas democracias há cinismo que chegue, e calculismo que sobre, para casar as ansiedades das pessoas com a necessidade de medidas. Se algum risco há, é o do exagero. Finalmente, gente ansiosa e crédula tem interesse em ler mais romances policiais ou clássicos, a gosto, e menos notícias de desgraças, contemporâneas ou previstas: os ansiolíticos e os barbitúricos não fazem bem à saúde e, mesmo fora do prazo de validade, chegam ao ambiente causando grandes danos.

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