Alterações climáticas, modo de usar
Há pouco mais de 15 dias, soprava um vento de loucura naquela parte do mundo em que os políticos vivem no afã de agradar à opinião pública, e que se traduziu em manifestações gigantescas, ansiosas pela çalvação da Terra (grafo assim em homenagem à literacia das gerações mais bem formadas de sempre e para traduzir o respeito que me merecem estas exaltações), e no endeusamento de uma pobre rapariga que o acaso, e uma obsessão doentia, catapultaram para as gordas dos jornais e os areópagos onde se reúnem os grandes deste mundo, onde aponta o dedo tremente e acusador ao nosso egoísmo, ao capitalismo, à sociedade de consumo e às palhinhas de plástico.
Roubaram-lhe os sonhos e a infância, dizia a moça, insultando sem maldade as crianças, e são milhões, que não têm nem escola, nem alimentação decente, nem assistência na doença, nem sapatos, tudo o que ela teve, e que não terão nunca a maior parte dessas coisas se o crescimento económico for peado por fundamentalismos ambientalistas. Greta, ao crescimento, chama “conto de fadas”.
Nada de novo: a boa menina não é decerto comunista, nem o são os milhões de jovens que se manifestam a favor do ambiente, enquanto deixam atrás de si mares de embalagens dos produtos industriais com que se alimentam, e da propaganda engenhosa, às vezes divertida, que empunham em cartazes de “luta”, sem todavia os usarem para rebentar a cabeça dos poluidores que, se não forem funcionários públicos, empregam os seus pais – uns queridos. Eles não são comunistas mas uma parte deste discurso é, e toda a Esquerda o compra, mas nem toda a Direita. Compreende-se: Todos os regimes comunistas falharam miseravelmente na criação de sociedades de consumo, mas não desapareceu em muitas pessoas o anseio pela igualdade material que mora no coração dos invejosos, dos generosos ingénuos e de muitos que não entendem o motor da criação de riqueza, que é a diferença e não a igualdade. Ora, se há uma tese, que tanta gente compra, de que o consumo é o inimigo, tanto melhor, chega-se lá por outro caminho; e nas variantes social-democratas o apelo não é a demência igualitarista mas o reforço dos poderes do Estado, coisa para a qual na maior parte tais doutrinas não têm suficientes anticorpos.
Tudo isto tem um lado estranho porque sobre as leis da termodinâmica, ou da relatividade, não há divergências; mas sobre o aquecimento global, reciclado no redundante alterações climáticas – as alterações são inerentes ao clima – há. Isto decorre de na comunidade científica começar a desenhar-se um princípio de consenso sobre a existência das alterações a um ritmo superior ao do passado, o que causa grande consternação; e de a origem dessa aceleração sermos nós, ou melhor aqueles de nós que comem melhor, viajam mais, e se rodeiam dos mais diversos aparelhos para tornar a vida cómoda e leve. Mas o consenso, por definição, nada tem de científico, a não ser nas ciências sociais, que são sociais mas não são ciências; e por cada três albardados de doutoramentos que, com olhos pávidos, nos intimam a mudar de vida e adoptarmos a miséria dos países em que, por se consumir pouco, pouco se polui, há pelo menos um, igualmente qualificado, por muito que se lhe chame velho, ou vendido a interesses obscuros, ou carecido de formação específica na área, que diz que os dados não são de confiança. É pouco provável que as nossas actividades tenham tanta importância e produzam tantos efeitos quanto os que se lhes atribui, mas quase certo que no modelo de raciocínio, e previsional, dos catastrofistas, faltam elementos. Para não falar dos que, aceitando que o aquecimento existe, e são cada vez mais, nele veem algum benefício a par de enormes problemas.
Talvez faltem elementos, e por isso as melhores cabeças, e os organismos mais sérios, revestem as suas previsões de inuendos e ressalvas, que após tradução em jornalistês chegam à opinião pública em forma de hecatombe. E depois, é grande a lista das desgraças para as quais, desde o fim dos anos 60, os especialistas nos preveniram: nova Idade do Gelo, desaparecimento da camada de ozono, eliminação da vida nos lagos por causa das chuvas ácidas, desaparecimento de ilhas – as Maldivas, coitadas, viram o seu funeral previsto para 2018, e ainda lá estão – fome para 2012 se não deixássemos de comer peixe, carne e produtos lácteos, desaparecimento por exaustão dos combustíveis fósseis… a lista é enorme, recheada de nomes ilustres na ciência e estrelas como Al Gore, o profissional mais conhecido de previsões falhadas e tretas sortidas. De resto, a tendência acentua-se: não há uma semana em que não sejamos informados que vamos morrer aos milhões daqui a alguns anos (os prazos têm aumentado porque quando chegarem ao termo convém que quem os estabeleceu, e com isso ganhou fama e proveito, já cá não esteja). Não que interesse muito: dantes as pessoas confiavam no padre e na Santa Madre Igreja da qual ele era o representante; e agora acreditam no cientista que vem à televisão e diz que o mundo vai acabar se continuarmos a cometer pecados. Tal como dantes, porém, é pouco provável que o pecado acabe, por muita manifestação às sextas-feiras, concorrida por moços com acne, e por muito que os políticos jurem que vão descarbonizar e não sei quê: a doença da juventude cura-se, na maior parte dos casos, com a idade; os jovens, por cujos interesses todos juram e cujas opiniões todos lisonjeiam, são uma minoria crescentemente minoritária; e os adultos estão dispostos a fazer alguma coisa, mas não a ver a vida a andar para trás..
Os grandes do mundo fingem-se contristados, e os mais ingénuos de entre eles talvez estejam. Mas todos os que governam países onde a opinião pública está amordaçada, como na China de Xi Jinping, ou a Índia, onde os habitantes estão excessivamente ocupados a encontrar o que comer, brilham pela discrição, mesmo que se encontrem nos lugares cimeiros do pódio da poluição. Fazem bem.
Não há planeta B, disse com gravidade o nosso Presidente, e temos a meta ambiciosa de descarbonizar o país até 2050, anunciou com determinação o nosso PM, que poderá repoltrear-se nessa grandiosa conquista na condição de reformado. Ambos se situam bem no campeonato do paleio da moda progressista, mas não são excepção – por todo o lado os governantes e candidatos em eleições se apressam a lisonjear a opinião pública aflita.
Não está mal, é aliás inevitável e um módico de prudência aconselha a olhar para estas questões sem parti-pris dramáticos mas também com a cabeça suficientemente fria para evitar males maiores, se forem credíveis, amaciá-los onde possa ser, e sempre tendo presente que não há poluição de origem antropogénica sem pessoas e estas multiplicam-se mais no mundo subdesenvolvido. No desenvolvido, mormente no que se autoflagela sob o peso da culpa, a população tende a diminuir.
Que deve então fazer o bom cidadão antigamente temente a Deus e hoje à Autoridade Tributária, aflito para chegar ao fim do mês e que não consegue evitar a coorte de investigadores, universitários sortidos, agitadores, propagandistas, políticos, que o intimam pela televisão e pelos jornais a mudar de vida?
Algumas coisas: i) Não confiar em nada do que digam pessoas que queiram contrabandear, à boleia de problemas ecológicos, reais ou imaginários, modelos de sociedade alternativos que se parecem excessivamente com os que foram enterrados com o esboroar da URSS; ii) Procurar, sempre que são citados estudos de fontes prestigiadas, ir ver as fontes e não confiar em resumos – quem resume simplifica, trunca, distorce, elimina reservas, e com frequência vende um drama certo, e uma solução simplista, para um problema que não o será tanto, e cujo remédio, por ser com frequência político, raramente é único, muito menos simples, e pode implicar trade-offs; iii) Se se tratar de personalidades singulares, convém saber quem são, que currículo têm, que interesses servem, se alguns, quem os financia (estudos sérios são caros), e o que dizem adversários, no caso de terem qualificações do mesmo grau; iv) Adoptar uma atitude de cepticismo militante em relação a cientistas, quando o discurso tresande a savonarolas ou malagridas. Os cientistas, como os magistrados, os professores universitários, os médicos e os burocratas de organismos supranacionais, tendem, se os deixarem, a reivindicarem para si o papel de pastores da grei, e não apenas conselheiros. Isto porque eles sabem enquanto nós somos ignorantes. Mas os próprios sapateiros, se os deixassem, haveriam de estabelecer regras osteopáticas severas para aqueles cidadãos, e são muitos, que têm o hábito deplorável de cambar mais os sapatos de um dos lados; v) Sempre que a recomendação para adopção de novos hábitos (por exemplo, substituição de plásticos por materiais biodegradáveis ou redução do consumo de combustíveis) se faça pela via da impostagem, exigir que o acréscimo de receita pelo novo imposto, ou pelo aumento do velho, seja compensado (efectiva e automaticamente, e não apenas como promessa) por redução de outros, pelo menos no mesmo montante; v) Ter presente o peso insignificante de Portugal no mundo, seja demograficamente, no PIB ou na poluição, e evitar a tentação voluntarista de ser campeão das medidas quando outros, mais desenvolvidos e/ou mais poluidores, mas menos ingénuos, arrastam os pés para as pôr em prática; vi) Desconfiar sempre de limitações à liberdade individual em nome de bens maiores colectivos. Comprimir a liberdade dos outros é natural para trezentos tipos de iluminados e reformadores sociais sortidos, mas é uma porta que é tão grave abrir ainda mais que, para a fechar, se justifica desobediência civil; vii) Confiar em que uma das razões por que as previsões tendem a falhar, além das afloradas, é que as projecções para o futuro nunca entram, nem podem entrar, em linha de conta com o progresso científico e tecnológico. E se alguma coisa deveríamos saber é que só não morremos quase todos de fome (não obstante as muito científicas, e reiteradas, previsões de que isso sucederia) porque a ciência e a tecnologia intervieram, produzindo-se hoje muito mais em muito menos terra. A ciência não acaba, e os seus prodígios também não: até mesmo para algumas espécies extintas (um aparte: o desaparecimento de espécies É, efectivamente, um empobrecimento da humanidade) há agora esperança legítima de renascimento, como no fascinante caso do auroque; e já há, diz-se, bactérias engenheiradas que se alimentam de plástico – entre outras maravilhas; viii) Não perder o sono. O pessoal político, nas ditaduras, não é suicida, nem necessariamente demente, nem tem dificuldades em impor comportamentos, se forem absolutamente necessários, para além dos que já são para permitir a sobrevivência do regime, a benefício do ambiente; e nas democracias há cinismo que chegue, e calculismo que sobre, para casar as ansiedades das pessoas com a necessidade de medidas. Se algum risco há, é o do exagero. Finalmente, gente ansiosa e crédula tem interesse em ler mais romances policiais ou clássicos, a gosto, e menos notícias de desgraças, contemporâneas ou previstas: os ansiolíticos e os barbitúricos não fazem bem à saúde e, mesmo fora do prazo de validade, chegam ao ambiente causando grandes danos.