Alta pressão em maré baixa para o Bloco
Catarina Martins
Ela começa agora a experimentar na pele o que é a artilharia socialista em campanha. Ainda os motores mal aqueceram rumo às legislativas. Em ocasiões como esta, os socialistas apresentam-se «unidos como os dedos da mão», para citar um verso de José Gomes Ferreira cantado com música de Fernando Lopes Graça antes de haver democracia em Portugal.
O primeiro a desembainhar a espada foi alguém insuspeito de antipatia por frentismos de esquerda: Manuel Alegre, em entrevista à TSF. «O PS não pode ser barriga de aluguer de partidos com menos votos que procuram impor os seus programas à custa do mais votado», declamou o poeta, em prosa inequívoca.
Depois surgiu António Costa. Na RTP, dando o mote à campanha eleitoral. Sem contemplações para a coordenadora nacional do Bloco de Esquerda, por quem não nutre qualquer carinho. O primeiro-ministro sabe que Catarina Martins, se tivesse voto na matéria, elegeria Pedro Nuno Santos como líder socialista. As palavras mais cáusticas, na longa entrevista à televisão pública, tiveram-na como alvo: «A Catarina Martins diz todos os dias que é preciso tirar António Costa da liderança do PS para haver entendimento à esquerda. Apesar de tudo, quem manda ainda no PS são os militantes, não é a Catarina Martins.»
É raro ouvirmos Costa falar assim – muito menos visando uma antiga companheira de viagem. Mas o percurso agora é outro: o PS anseia a maioria absoluta e acelera nessa direcção. «Depois das eleições, é com António Costa que espero negociar soluções», reagiu ela timidamente, no Twitter. Já na defensiva.
Dias antes, falando aos camaradas no Coliseu do Porto, acusara o chefe do Governo de «quebrar pontes com a esquerda» e o Presidente da República de provocar «esta crise artificial e desnecessária». Como se as regras do jogo, ditadas com antecedência em Belém, não tivessem sido claras: ou haveria Orçamento do Estado para 2022 – que o Bloco chumbou – ou eleições antecipadas. Num país com dois milhões de pobres, mais de um milhão sem médico de família, 23% de desemprego jovem e a terceira maior dívida da União Europeia. Com o Serviço Nacional de Saúde em risco de colapso, o salário médio cada vez mais colado ao salário mínimo e a inflação ameaçando depreciar ainda mais o poder de compra.
Catarina Soares Martins, 48 anos, tem motivos para recear a campanha eleitoral, onde o capital de queixa do PS contra o BE será exibido sem pudor. A porta-voz bloquista, há nove anos nestas funções, enfrentará dura prova a 30 de Janeiro. Em maré baixa para o seu partido, que perdeu 34 mil votos e dois terços dos escassos vereadores nas autárquicas de Setembro.
Já tinha visto fugir 50 mil votos nas legislativas de 2019 e cerca de 300 mil nas presidenciais de Janeiro. Incapaz de definir um rumo estratégico, angustiada perante a dúvida hamletiana de ser voz de protesto como o PCP ou peça de governo enquanto parceiro menor dos socialistas. O eleitorado decidirá por ela. Faltam sete semanas.
Texto publicado no semanário Novo