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Delito de Opinião

Alepo, cidade-mártir

Pedro Correia, 20.12.16

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Foto: Karam Al-Masri / AFP

 

Enquanto escrevo estas linhas, morrem seres humanos em Alepo. A lista de mortos ultrapassou 30 mil no ano passado, não havendo mais estatísticas oficiais de então para cá.

Aquela que foi a maior cidade síria - com uma população superior a cinco milhões de habitantes antes dos primeiros disparos, em Fevereiro de 2012 - e uma das urbes mais cosmopolitas do mundo árabe sucumbe sob os escombros da guerra total que contra ela foi decretada pelas hordas assassinas do ditador Bachar Assad, acolitado por milícias xiitas financiadas pelo Irão teocrático e por essa Legião Condor dos tempos modernos representada pelos sinistros bombardeiros russos.

Vladimir Putin, principal parceiro de Assad, bloqueou nos últimos cinco anos na ONU todas as resoluções que podiam determinar um desfecho não-sangrento para o drama sírio – incluindo a abertura de um corredor humanitário com supervisão internacional e o lançamento de víveres por via aérea aos civis sob cerco. Os vetos de Moscovo no Conselho de Segurança, somados à passividade da administração Obama, provocaram o êxodo maciço da população síria, que foge para onde pode, obedecendo ao instinto de sobrevivência.

Ei-los aí, os sírios em fuga - sem tecto, sem trabalho, sem assistência médica, subitamente desenraizados, buscando a Grécia, acorrendo ao Líbano, rumando aos campos de encarceramento turcos que servem para o proto-ditador Erdogan usar essa magoada e dolorida “mercadoria humana” como alvo de chantagem junto das chancelarias europeias.

 

Enquanto escrevo, mais uns civis sucumbem em Alepo, cidade-mártir. Alvejados por franco-atiradores munidos com fuzis russos e pagos pelos aiatolás de Teerão. Morrem mulheres e crianças, vitimadas por bombas de fósforo e gás de cloro, e o mundo cala-se. Consente estas novas Guernicas, estas novas Sarajevos. Em Portugal há até quem faça coro com o tirano de Damasco, que há muito devia ter sido forçado a trocar o trono de déspota pelo banco dos réus, respondendo por crimes de lesa-Humanidade por ter permitido a utilização de armas químicas contra a população do seu país.

Putin, que recebeu como prémio por apoiar Assad a primeira base naval russa no Mediterrâneo, segue na Síria a cartilha que já mandara aplicar à Chechénia: “encurralá-los até ao fim”. Assim transformou Grozni há década e meia num mar de ruínas, indiferente aos clamores da comunidade internacional. A mesma indiferença a que vota hoje as patéticas mensagens de impotência do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, que se limita a derramar lágrimas desvalidas perante o massacre, como se não representasse a maior potência económica, diplomática e militar do planeta.

 

Enquanto escrevo estas linhas, mata-se e morre-se nos últimos bairros sitiados de Alepo, onde todas as sombras macabras da história – da Tróia antiga à Estalinegrado do século XX – ressurgem numa demonstração evidente de como é ténue e frágil o fio que separa a civilização da barbárie, numa chocante confirmação de que o vertiginoso progresso tecnológico é incapaz de alterar um átomo da natureza humana.

7 comentários

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    Pedro Correia 20.12.2016

    Você é como o coronel Kilgore, que adorava o cheiro do 'napalm' ao amanhecer. Nada como o gás de cloro para lhe incutir adrenalina.
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    tric.lebanon 20.12.2016

    por acaso fiquei contente com a queda dos mollembeqes em Allepo !! depois de vários anos de noticias que vinham de Allepo em que os seus "amigos" molembeques de Allepo perseguiam as comunidades cristãs, finalmente uma boa noticia que chega de Alepo ! os molembeques...
    .
    "Aleppo, Syria, Jul 24, 2015 / 06:07 (...)
    “At the time of this writing, Aleppo is undergoing a massive assault by jihadists, and bombs have been falling for hours. It is as if everything is being done to scare people and push them to leave,” Melkite Archbishop Jean-Clement Jeanbart of Aleppo wrote in a July 17 letter.
    http://www.catholicnewsagency.com/news/aleppo-archbishop-working-to-provide-means-for-christians-to-stay-in-syria-51219/
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    Pedro Correia 20.12.2016

    Trinta mil mortos (estatística desactualizada, pois a contagem de cadáveres oficial parou em 2015) são em quantidade suficiente, creio, para o encherem de júbilo.
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    tric.lebanon 20.12.2016

    sim 30 mil mortos e tem um culpado...quem forneceu as armas a Al-Qaeda e destabilizou a Siria!! ou vai dizer que foram os Russos e Bashar Al-Assad que promoveram o Caos na Siria !!!???
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    Pedro Correia 20.12.2016

    Os russos são especialistas em "promover o caos". Basta ver o que fizeram em Grósni, em 1999-2000. A capital da Chechénia, segundo a ONU, tornou-se a "cidade mais destruída do mundo".
    Uns meninos de coro, os jagunços do ditador Putin.
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    tric.lebanon 20.12.2016

    "Uns meninos de coro, os jagunços do ditador Putin."
    .
    só tenho a dizer, obrigado jagunços do Grande Czar da Russia, Putin, pela derrota que estão a infligir aos mollembeques em Allepo!!! já deu para reparar que os mollembeques europeus andam muito tristes com o que está a acontecer à sua irmandade em Alepo!!
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