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Delito de Opinião

Agitar o espantalho

João André, 14.10.15

Numas eleições há conclusões que se podem retirar de forma directa dos resultados: quem é mais votado (lista, partido ou coligação) é o vencedor. No sistema eleitoral português isto deveria levar de forma imediata a que o presidente encarregue o vencedor de formar governo. Sozinho ou em acordo com outros.

 

Isto contudo não impede outras leituras. Se os vencedores não conseguirem um acordo que garanta uma maioria no parlamento, é perfeitamente legítimo que outras forças políticas o façam. É perfeitamente concebível que partidos como o PS, o PCP e o BE acabem por conseguir fazer menos cedências nos seus pontos individuais para apresentar um programa conjunto do que no caso do PSD/CDS e PS. Isto pelo menos em princípio, até porque para mim o PS está estruturalmente mais próximo do PSD que do PCP ou BE. A proximidade PS-PCP-BE e o afastamento PSD-PS são circunstanciais, resultando de uma política extremista do governo e posições eleitoralistas e populistas de Costa.

 

Em qualquer dos casos, é óbvio para qualquer pessoa com um mínimo de cultura democrática que um governo "de esquerda" não defraudaria o resultado das últimas eleições. Se o bloco PS-PCP-BE é mais votado e se consegue entender, obviamente que tem de ter direito a formar governo. Se o deve fazer já é outra questão.

 

Como muita gente à direita o sabe, os ataques deixaram de ser pela via da legitimidade democrática e passaram pelo percurso do espantalho: agitemos os medos aos quatro ventos que a esquerda vai afundar este país e pode ser que isto não suceda (ou seja de pouca dura). O argumento é que os muy democráticos mercados se assustariam e o país estaria de imediato a braços com outro resgate.

 

Eu até vou ignorar a narrativa em que este governo salvou o país (o BCE é uma instituição do Zimbabwe como se sabe) porque não é discussão que faça diferença (aos fanáticos não vale a pena apontar os erros de lógica). Vou simplesmente apontar que em posts (cingindo-me apenas ao Delito de Opinião) como este, este, este, este, este ou este não há um argumento que mereça ser imprimido. São uma lamentável colecção de ataques à esquerda que faz parte do tecido democrático português e a qual parece causar urticária quando quer sair dos seus parcos lugares naquele cantinho do parlamento.

 

Muito sinceramente não espero muito deste hipotético governo de esquerda. Não existirá. É apenas a forma que Costa encontra de acalmar as suas hostes mais à esquerda. É no entanto sintomático e muito demonstrativo da cultura de muita gente que uma solução perfeitamente democrática seja atacada em favor daquela que ao longo de quatro anos não fez mais do que colocar o selo em ordens vindas de outros lados. Quem ataca este governo são os apologistas de governos inexistentes, de testas de ferro tecnocráticos que não entenderiam o significado da palavra democracia mesmo que esta lhes fosse explicada por Sócrates (o original).

 

É, mais uma vez, a política do espantalho. É a política do "não há outra solução". Para estes, se o governo fosse dissolvido em favor de uns directores nomeados por Frankfurt não haveria perda. A política em si parece ter perdido o significado: há uma só solução e outras opções deixam de ser consideradas até ao dia em que as eleições serão consideradas uma perda de tempo e dinheiro e só sejam vistas como panem et circensis.

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