Adriano Moreira, o totalitarismo e Garrincha entram num bar
O recente desaparecimento de Adriano Moreira motivou muitos textos de homenagem e de comentários vários, também aqui no DO, sobre quem foi e como contribuiu para a evolução entre o Portugal em que nasceu e aquele que, cem anos depois, o viu partir.
Num desses textos, João Carlos Espada, no Observador, recorda uma explicação prévia dada por Adriano Moreira à dupla pergunta: “O que é ser de esquerda?” e “O que é ser de direita?”. Apesar deste episódio se ter passado nos idos anos 80, a explicação prévia continua actual como se tivesse sido dada hoje.
“O totalitarismo não é de esquerda nem de direita — inclui o nacional-socialismo de Hitler e o comunismo de Stalin — eles não estiveram coligados? Na actualidade, o totalitarismo abrange os regimes de Leste, as ditaduras de capitalismo selvagem sul-americanas, muitos regimes do Terceiro-Mundo.”
E a seguir explicou enfaticamente: uma vez definida a diferença fundamental entre totalitarismos (de esquerda e/ou de direita), podemos então conversar tranquilamente sobre as escolhas entre direita e esquerda democráticas: “Serão de esquerda os que dão um papel predominante ao Estado, e de direita os que dão um papel predominante às pessoas e às instituições “.
Alguns psicólogos explicam a devoção pelos totalitarismos como uma patologia assente na vontade de uns dominarem todos os demais, a qualquer custo e sem travão, assim como pela incapacidade de outros em decidir por si, preferindo seguir cegamente quem lhes mostre convicções fortes e explicações simples. Uns e outros, tal como lobos disfarçados de cordeiro, circulam por aí disfarçados de democratas. Uns dizem-se de esquerda, outros de direita, mas, mais do que qualquer outra coisa, são apenas amantes do totalitarismo e não hesitarão um instante em derrubar a democracia para lhe tomarem o lugar.
Nos tempos da comunicação contínua, em que o caudal de estímulos é de uma dimensão que torna impossível digerir tudo o que nos acerta, somos facilmente levados pela nossa natureza e pelos nossos enviesamentos cognitivos. Mais apelativo do que quaisquer factos que precisam de ser ponderados e trabalhados, são as emoções que mais facilmente nos mobilizam e agitam. Os amantes do totalitarismo sabem disso, e não hesitam em armadilhar essa informação contínua de forma a poderem chegar ao poder.
Lívia Sant’Anna Vaz, promotora de Justiça no Estado da Bahia, entrevistada há dias pela Folha de São Paulo, dribla magistralmente o conceito básico da liberdade de expressão. Não se chega ao “Anjo das Pernas Tortas”, que foi Garrincha, mas bem que tenta (perdoem-me a formulação sul-americana).
Questionada sobre como a desinformação tolhe a liberdade de expressão, ela começa por afirmar que “as pessoas”, coitadas, não conseguem aceder a elementos que lhes permita ter o que ela designa como “liberdade de expressão consciente”. Por isso acabam por apenas repetir o que ouvem, “supostamente exercendo a sua liberdade de expressão”, mas que é apenas uma “liberdade de expressão manipulada”. Mostra-se assim preocupada com a “absolutização da liberdade de expressão de grupos hegemónicos”. De imediato, como só um estrábico com um joelho varo e o outro valgo conseguiria, e por isso fez-me lembrar o mítico ponta brasileiro, avança e avisa que “os inimigos da democracia podem estar na própria democracia”. E quando? “Quando nós tornamos em valor absoluto determinados princípios da própria democracia, como a liberdade de expressão”.
Jinga que finge que não jinga e avança, como se de um jogo de espelhos se tratasse, salta rapidamente para deduzir que como a sociedade é misógina, racista e LGBTfóbica, em consequência, isso reproduz-se nas redes sociais. Após mais umas simulações e uns faz-de-conta, lá chega à frente da baliza, e após tão elaborada jogada, remata com um “acaba a ser uma ditadura da liberdade de expressão”.
Quem não conseguiu ver bem por onde é que a bola passou, precisa de repetição, ou do VAR, que me dizem ser a moda actual. E é então no VAR que, deixando o estádio incrédulo, Lívia Sant’Anna Vaz afirma que “a liberdade de expressão é um elemento fundamental da democracia, MAS não se pode tornar num elemento absoluto e minar e destruir a própria democracia”. “Então é importante que a gente tenha limites à liberdade de expressão para concretizar a própria democracia”.
Os finteiros que sugerem uma democracia com limites à liberdade de expressão, não são mais do que totalitaristas disfarçados de cordeiros. É gente perigosa. Adriano Moreira avisou-nos.