Acrânio
Há alguns meses, em pleno período intra-pandémico, fui surpreendido ao tomar conhecimento de me ter sido instaurado um processo por difamação. Um antigo governante considerou-se ofendido pelo teor de um texto de blog e pelos epítetos que eu lhe dedicara. Os quais eu julgara não só fundamentados por uma cuidadosa descrição etnográfica da sua acção política como aceitáveis face à moral e jurisprudência correntes - entre tantos outros casos, que nem sequer são juridicamente invocados, recordo que o renomado Miguel Sousa Tavares chamou "palhaço" ao próprio Presidente da República em plena televisão, tendo sido inocentado, sendo que eu dissera algo menos em mero blog sobre alguém sem esse peso simbólico constitucionalmente consignado. Desprovido que estou de recursos financeiros e de arcaboiço moral para suportar uma longa batalha jurídica, e os presumíveis sucessivos recursos até Haia, remeti para as malvas os sacrossantos princípios e preferi aceitar a acusação. Tendo assim sido condenado a uma punção pecuniária, que me é pesada. E ainda a um período probatório que ainda decorre, e durante o qual se me torna particularmente periclitante não só a adjectivação pública como, implicitamente, a abrangência temática das reflexões. Escrevo assim, neste hóbi blogal, não só com os limites da minha ética e aquilo que presumo ser a (fluida) moral pública, mais ou menos balizada pela lei. Pois escrevo também para que não me lixem...
Este longo preâmbulo, de teor pessoal, prende-se com a relativa homofonia que se me impôs ao ler as declarações de Rui Rio sobre as sanções europeias à Rússia. Este "acrânio" imediato que se me surgiu. Não quero ser processado, não quero ser chamado à liça em período probatório por de novo violentar o "bom nome" de político. Ou seja, não estou a dizer que o dr. Rui Rio nasceu sem crânio. Ou a apoucar a sua família, ascencente e descendente. Sua vizinhança. Seus colegas e correligionários. Ou a insinuar que o cidadão Rui Rio ou os seus próximos têm alguma deficiência, física ou mental. Estou apenas a explicitar - usando uma metáfora, convém sublinhar - que estas declarações são uma total acefalia política.
Diante desta proclamação de Rio, convocando um extremo cuidado nas sanções europeias à Rússia, posso ainda perguntar - fundamentando a tal atrevida metáfora - o que é que o dr. Rui Rio propôs enquanto presidente do segundo partido português, dotado de forte representação no Parlamento Europeu, para fortalecer a política externa com instrumentos económicos? O que disse, o que induziu, o que promoveu? Que nós saibamos, nada. Limitou-se, decerto que impante, a navegar à vista. E agora, neste momento de enorme crise política, vem com este discurso disfarçado de "bom senso". Perfeitamente absurdo. Minando, e não só simbolicamente, uma desejável concertação interna e internacional face ao Estado e à sociedade russa.
Ao ler esta tropelia, proferida em tom seráfico, perguntei-me também como é possível estar este homem na presidência do PSD. Já nem questiono o ter lá estado, mas a sua continuidade neste presente. Em que estado cataléptico está o segundo partido do país para ter este medíocre presidente - o qual já reconheceu "não estar ali a fazer nada". A democracia multipartidária faz-se de partidos, e torna-se necessário - goste-se ou não de cada um deles - que haja qualidade, intelectual e ética, nos seus dirigentes. E esta visão acrânica sobre a guerra na Ucrânia é uma vergonha para o PSD e uma desgraça para o país. Por menos relevante, em termos mundiais, que seja a opinião do dirigente do segundo partido de Portugal.
O PSD que se cuide e afaste, quanto antes, este seu presidente. Vácuo, de pomposo auto-convencimento.
(Até porque há mais mundo do que o manjar da regionalização).