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Delito de Opinião

Abro os jornais e já não percebo as coisas de que eles falam

Luís Naves, 08.06.16

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Nos textos de opinião escorrem elogios ao poder, de súbito desapareceram os incompetentes, só há craques no governo e tudo corre às mil maravilhas. As crises são lá fora, em países onde se passam horrores (nem queremos falar disso, de tão horrível). Por aqui, deixou de haver desempregados, ninguém os menciona, terão todos arranjado emprego, como aliás regressaram muitos dos 500 mil que tinham emigrado, pois agora só se fala em 250 mil. A nossa crise acabou, há retoma tímida, é oficial, no que concordam jornalistas e intelectuais que muito justamente nos convenceram de que não houve bancarrota, mas uma calamidade inútil, imposta de fora, receita de engenharia social aplicada pelo governo da troika, anti-patriótico e cínico, que professava certa cartilha ideológica.

Sim, a crise acabou e não regressa, é um facto, podemos ignorar os poderes não-eleitos de Bruxelas, começar a rasgar os Tratados e aprovar moções parlamentares exigindo à Comissão que não aplique medidas previstas em textos ratificados pela mesma assembleia que assim vota contra si própria. Que fazer, se mesmo assim houver sanções? Francamente, não se deve pensar nisso: como em muitos outros tempos de negação, o mal vem de fora, eles não nos compreendem, sejam os burocratas, as agências de notação e os estupores dos mercados.

Os jornalistas fazem reportagem nas redes sociais e citam-se uns aos outros. A palavra crise saiu do dicionário. O partido no poder fez um congresso que, se fosse a direita, teria sido descrito como reunião albanesa, de negação da realidade, com fracturas internas à mostra; se fosse a direita, o líder estaria por um fio e as suas intervenções tinham sido patéticas; mas não era a direita, disseram-se coisas relevantes, foi um portento de organização e o partido vai no bom caminho, arrastando consigo uma nação agradecida.

Tudo começa a fazer sentido: vamos receber milhares de refugiados sírios (eles não querem vir, ainda não chegaram e de qualquer forma não ficam) mas protestamos contra a invasão de turistas que nos incomodam nos passeios, com o seu trote encantado e bolsas recheadas, e que nos interrompem o conforto, fazendo aumentar as rendas na cidade. Os turistas invadem os restaurantes, onde deixou de haver lugar para nós? Ocorrem cenas tumultuosas em inglês nas tabernas? Por isso, é justo que se baixe o imposto, para que os restaurantes fiquem suportáveis. Nos jornais, há muitas crónicas de como isto se tornou outra vez respirável, já não há notícias negativas, conflitos ou problemas. A geringonça é como os tuk-tuk, tornou-se parte da paisagem e avança por todo o lado, lá com os seus solavancos. Deixou de haver fome ou choro nos aeroportos, entrámos no tempo da esperança e da utopia, não importa a Europa ou a força da gravidade, deslizamos vagamente num sono hipnótico.

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