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Delito de Opinião

Abaixo de chimpanzé

Pedro Correia, 24.06.19

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André Silva nunca pediu desculpa pela mais aberrante frase proferida por um político português nos últimos anos: «Há características mais humanas num chimpanzé ou num cão do que numa pessoa em coma.» Tendo em conta que este dislate já data de 2015, numa entrevista ao Expresso, devemos concluir que o porta-voz do PAN, se nem sempre é pessoa para pensar no que diz, pelo menos diz aquilo que realmente pensa.

Com o brilharete conseguido a 26 de Maio, ao superar os 5% e eleger um eurodeputado, o PAN goza dias de glória. Levado em ombros pelas mesmas trombetas mediáticas que quase o ignoraram na recente campanha eleitoral (houve até um canal televisivo que o excluiu do debate entre os cabeças de lista de maior relevo, optando em seu lugar pelo partido unipessoal de Marinho e Pinto, que saiu das urnas com 0,5%).

Mas toda a medalha tem um reverso. O partido animalista que ultrapassou a CDU em sete dos 20 círculos eleitorais e ficou à frente do CDS em Faro e Setúbal vai finalmente ser escrutinado – como aliás devia ter acontecido logo em 2015, quando André Silva se estreou como deputado. Com um atraso de quatro anos a comunicação social descobre só agora, muito surpreendida, que o PAN celebra congressos à porta fechada, quer impor a utilização do «copo menstrual» às mulheres e orgulha-se de ter conseguido nesta legislatura uma redução do IVA no consumo de algas. Entre os devastadores incêndios de Junho e Outubro de 2017, que causaram 116 mortos, entreteve-se a legislar sobre a admissão de animais de companhia nos restaurante citadinos, o que define bem as suas prioridades.

 

Eis um partido new age, digno de subscrever proclamações pela «paz no planeta» com a convicção de qualquer candidata a Miss Universo. Um partido «ideologicamente amorfo», segundo o rótulo que alguns politólogos contemporâneos adoptaram para caracterizar este pensamento capaz de cruzar o melhor do Dalai Lama com o pior de Paulo Coelho.

O maior indício da consistência gelatinosa do PAN detecta-se, aliás, no facto de já ter mudado duas vezes de nome desde que surgiu, faz agora dez anos. Começou por chamar-se Partido Pelos Animais. Em 2011 registou-se no Tribunal Constitucional como Partido Pelos Animais e Pela Natureza. Três anos depois, num dos tais congressos interditos a jornalistas, adoptou a actual denominação pleonástica: Pessoas-Animais-Natureza.

André Silva recorre às técnicas dos pregadores evangélicos, alternando o discurso do medo, próprio dos milenaristas de antanho, com a invocação subliminar do halo de santidade só ao alcance dos convertidos. Arauto da virtude, lança anátemas aos que insistem em repudiar o tofu: apenas um mundo convertido ao veganismo e ao ciclismo sobreviverá à inevitável catástrofe ambiental. Ele e os seus acólitos, magnânimos, estão dispostos a conceder-nos a absolvição dos pecados da carne e do plástico desde que cumpramos a indispensável penitência e abracemos «um novo paradigma disruptivo», seja lá o que isso for.

Quem ousar dizer o contrário, já está em coma, embora ainda não saiba. Desceu abaixo de chimpanzé.

 

Publicado originalmente no jornal Dia 15.