A vida regular continua
Após uns dias fora das coordenadas habituais, cuja distância foi reforçada por uma ausência de dados móveis, lá regressei a um país que, tendo um novo governo, continua exactamente na mesma.
Olhando para o que aí vem, recordamos que se para dançar o tango são precisos dois, o que agora parece ser necessário é uma ménage à trois, desequilibrada, prenhe de trocas, de arranjos discretos negociados aos berros, de joelhadas sem dó, imensos auto-elogios, acusações e declarações gritadas dirigidas ao terceiro pé da trempe e nada será feito sem que um dos três seja gozado por ter sido enganado pelos outros. Alguém que tente algo parecido na sua vida pessoal pode alcançar alguma animação, mas o sossego, e o bom governo, será impossível de alcançar.
Desde o final do ano de 2023 que a Operação Especial para deixar a dívida abaixo dos 100% do PIB orquestrada por Fernando Medina tresandava a não ser mais do que uma “Operação Cosmética Especial”. A UTAO vem agora confirmar isso mesmo. Os títulos de dívida pública mudaram de mãos, mas a responsabilidades dos contribuintes não foram reduzidas. O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social aumentou o já elevado peso de divida pública na sua carteira de activos e, enquanto organismo publico, permitiu que tivesse um tratamento diferenciado no cálculo do valor da dívida pública segundo as regras europeias. A UTAO afirma claramente que “Estas determinações no DLEO/2024 são uma prova da orientação política conducente a uma redução no valor da dívida pública de Maastricht sem ser por redução no stock da dívida viva”. A narrativa, sempre a narrativa. A fraca literacia financeira do eleitorado do PS, que também já não é nada jovem, fará o resto. A dívida abaixo dos 100%, e o mito dos cofres cheios, já igualmente desmentido, irá juntar-se aos demais mantras que fazem por ignorar a austeridade do PEC IV, que incluía a redução das reformas e outros cortes generalizados nas despesas.
Excluindo a fé dos crentes no PS, que abraçam cada pedaço da narrativa como náufragos agarrados a uma bóia em alto-mar, o legado do PS é longo e pesado. Desde o caos nos serviços públicos, aos recordes sucessivos da carga fiscal, passando pela ascensão do Chega, tudo resulta dos últimos oito anos de governação socialista. A série que o Pedro Correia aqui tem trazido não parece ter fim. Depois de, finalmente, o PS ter envergado a camisola da oposição, já veio exigir que tudo o que não foi feito em oito anos seja resolvido nos próximos sessenta dias. Os papalvos aplaudem e a vida regular continua.