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Delito de Opinião

A (vice-)Presidência da Assembleia da República

jpt, 26.03.24

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Começa hoje a legislatura - e mal, com a "simbólica" atribuição da presidência do primeiro dia ao putinesco António Filipe, em nome de uma veterania parlamentar, pois o agora regressado deputado comunista é o decano dos 230 empossados. Apaziguar o ambiente, celebrar um novo começo, um "natal" parlamentar, é bonito. Esquecer o frenesim anti-ucraniano de António Filipe, os sucessivos dislates que foi proferindo, os insultos a Zelensky quando discursou na AR, não é isso... É uma vergonha, sinal de uma casa sem  memória. E uma casa sem memória é uma casa "sem rei, nem roque", passível de sofrer xeque pastor.
 
Quanto ao resto, desde a manhã que as notícias falam da possível eleição como vice-presidente da AR do deputado Pacheco de  Amorim. Lembro-me de um postal que escrevi, a este propósito em 5 de Fevereiro de 2022. Sorrio (e resmungo, deviam pagar-me para ser comentadeiro político...). E cito-me para o comprovar: 
 
"Ainda nem acabou a contagem dos votos e já reina a primeira polémica da próxima legislatura, sobre a (vice-)presidência da Assembleia da República, com efervescentes opiniões sobre se deverá ou não o partido CHEGA ascender até a esse palanque, no qual consuetudinariamente se agregam representantes dos diversos grupos parlamentares. O relevo desta matéria é, acima de tudo, o de denotar como o debate político está transviado.
 
1. Muitos contestam a pertinência de que alguém do partido CHEGA assuma uma posição relevante na Assembleia da República, devido às antipáticas posições que aquele vem veiculando. Estique-se esse argumento até ao limite, um modo algo acurado de entender da robustez de um argumento: se em próximas eleições democráticas esse partido obtiver a maioria absoluta (longe vá o democrático agoiro) os outros partidos recusar-se-ão a ocupar os lugares e funções parlamentares para as quais tiverem sido eleitos, devido a discordarem de uma coabitação com o CHEGA? Pois agora é exactamente essa a lógica que defende uma exclusão parlamentar desse partido. 
 
Há também a questão do perfil político do deputado Pacheco de Amorim, apontado pelo seu partido como candidato a vice-presidente. E essa também deve ser abordada, pois esta eleição interna ao parlamento passa por um sopesar pessoal. (...)
 
Agora a pertinência - e mesmo a legitimidade democrática - da eleição de Pacheco Amorim é refutada devido à sua anterior militância no MDLP, organização que desenvolveu acções armadas contra partidos de esquerda logo após o 25 de Abril, e sobre a qual sempre correu que tinha uma ligação - ideológica, afectiva, porventura até organizativa - com o antigo presidente Spínola. Ora, e se assim foi, torna-se importante lembrar que o Marechal Spínola foi, após o seu exílio - e com extremo ênfase simbólico -, reintegrado na genealogia do regime democrático. E que, como tal, isso pelo menos implicitamente abarcou os seus então compagnons de route.
 
E neste caso é interessante notar que muitos dos mais exaltados invectivadores de Pacheco de Amorim, dizendo-o envolvido em manobras políticas violentas pós-25 de Abril, foram durante 2021 grandes paladinos da consagração póstuma de Otelo Saraiva de Carvalho (sobre isso botei aqui). Ora, e como também botei a esse respeito, estabeleceu-se na sociedade portuguesa um consenso de "que houve desmandos no PREC, houve violência (encetada pelos assassinatos perpretados pelos agentes da PIDE em 25 de Abril), mas que se constituiu um posterior consenso de que "o que aconteceu no PREC ficou no PREC.". Um consenso que os adeptos da extrema-esquerda (e de uma facção da esquerda PS) ainda querem deturpar, alargando-o para os desmandos assassinos ocorridos já após a institucionalização da normalidade democrática (pós-Constituição, para facilitar). Ou seja, os cultores de Otelo Saraiva de Carvalho não têm qualquer legitimidade intelectual (e como tal política) para negarem a pertinência de uma pretérita associação ao movimento anti-comunista MDLP como factor de elegibilidade democrática. E o historial da democracia portuguesa não suporta esse tipo de inviabilização, mesmo que por vontades de sectores mais abrangentes da sociedade. Isto não impede que se vote, racionalmente, contra o deputado, por discordância face ao seu perfil pessoal e/ou às suas opiniões políticas. Mas não permite que se clame qualquer ilegitimidade individual."
 
Pode ser que alguns tenham aprendido alguma coisa. Levaram dois anos, mas mais vale... devagar do que nunca.

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