A tontice do (des)acordo
Ontem a selecção nacional jogou contra a do Egipto em Zurique - vitória por 2-1, com dois golos do inevitável Cristiano Ronaldo.
Mas não é de futebol que aqui venho hoje falar-vos: é da nossa tão maltratada língua. De imediato pelo menos dois terços das edições digitais dos jornais que restam se apressaram a escrever "Egito", em obediência ao (des)acordo ortográfico de 1990.
Estipula a pauta acordística que a ortografia deve submeter-se aos ditames da fonética em geral e da "pronúncia culta" em particular - algo que nenhum académico foi até hoje capaz de nos explicar o que significa, com o rigor científico indispensável a quem queira transformar simples bitaites de café em normas com valor legal.
Acontece que sempre escutei pessoas cultas, ao meu redor, pronunciar a palavra Egipto assim mesmo, com o p bem articulado - ressalvando compreensíveis excepções de alguém com deficiências no aparelho vocal. Refiro-me a portugueses, pois os brasileiros falam "de fato" à sua maneira.
Ao fazerem cair o p de Egipto, estes jornais digitais cá do burgo abdicam da secular norma portuguesa, fazem tábua rasa da tal "pronúncia culta" que invocam para outros fins e separam irremediavelmente famílias lexicais, passando a si próprios verdadeiros atestados de analfabetismo funcional. Pois continuam a escrever egípcio, egiptologia e egiptólogo.
Se tantos outros exemplos não houvesse a confirmar a tontice do (des)acordo ortográfico, este bastaria.