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Delito de Opinião

A tempestade perfeita em férias.

Luís Menezes Leitão, 06.08.14

 

Como não podia deixar de ser, houve imediatamente uma série de comentadores que cantaram loas e hossanas à intervenção do Estado no BES. Uma análise mais atenta tornaria, porém, evidente que a solução arranjada pelo Banco de Portugal, e depois aprovada pelo Conselho de Ministros reunido na praia, tem mais buracos do que o próprio buraco do BES. Neste momento, os primeiros sacrificados, os outros bancos, já se começaram a mexer. Cá para fora saiu que propuseram aumentar a sua contribuição para o Fundo de Resolução, mas a realidade é outra. Os bancos querem substituir a contribuição extraordinária de 133 milhões que lhes pediram por um empréstimo de 635 milhões. A razão parece óbvia. Os bancos não querem abrir o precedente de uma contribuição extraordinária para o Fundo, sabendo que depois lhes irão pedir o restante. Um simples empréstimo parece melhor no balanço dos bancos, já que compromete o Fundo com a sua futura restituição, e permite dizer cá para fora que o Estado até está a comprometer-se menos, quando afinal os bancos ficam seus credores.

 

Este é o principal problema da salvação de bancos na zona Euro. É que o dinheiro que vai para um lado fica a faltar no outro. Na crise de 2008 os EUA colocaram 800 mil milhões de dólares para salvar os bancos americanos, mas o Estado americano pode imprimir dólares e desde então não parou de fazê-lo. Na zona Euro, com a impossibilidade de os Estados ligarem as rotativas, a salvação dos bancos é um jogo de soma zero. O dinheiro que vai para os bancos, ou fica a faltar no orçamento de Estado, ou vai ficar a faltar nos outros bancos. Ora, como estes nos últimos tempos só têm declarado prejuízos, se lhes for pedido que entrem com o dinheiro que o Estado meteu no Fundo, provavelmente ficarão tão mal como o BES ficou. O Fundo de Resolução pode acabar assim por funcionar por repartir o buraco do BES por toda a Banca. Resta saber se ela aguenta. Estão em causa 4.900 milhões de euros. Para se perceber a dimensão desse valor, faça-se o exercício de o converter em segundos. Um milhão de segundos são 12 dias, mas mil milhões de segundos já são 32 anos. 4.900 milhões de segundos são 156 anos.

 

Claro que há previsões optimistas que dizem que o Novo Banco pode ser vendido até ao fim do ano por esse valor. Devo dizer que isso me parece um sonho de uma noite de Verão. O BES valia na sexta-feira passada em bolsa cerca de 12 cêntimos por acção. Já perdeu a marca, que só por si valia 640 milhões, e com isso um investimento publicitário constante de há décadas. Alguma vez o anódino Novo Banco pode valer 4.900 milhões para um comprador? Só se aparecer Jesus Cristo e fizer um novo milagre da multiplicação dos pães, neste caso dos euros. Acrescentemos a isto a infinidade de lítigios judiciais que vão surgir contra o Novo Banco e mesmo contra o próprio Estado, como já se anuncia. É preciso não esquecer que a segurança do BES tinha sido garantida há menos de duas semanas pelo Governador do Banco de Portugal, pelo Primeiro-Ministro e pelo próprio Presidente da República. Não me parece muito fácil que o Estado consiga depois disto lavar as mãos como Pilatos dos prejuízos dos accionistas que ele próprio decidiu lançar às feras.

 

Angela Merkel, que pode ter muitos defeitos mas não é parva, já avisou que o caso do BES evidencia as fragilidades na zona Euro. Na verdade, o caso do BES constitui uma tempestade perfeita que atingiu Portugal. E enquanto isso o Primeiro-Ministro mantém-se tranquilamente de férias na praia. Mas, para falar a verdade, nem se tem notado a sua falta.

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