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Delito de Opinião

A taxa chata - I

Paulo Sousa, 24.01.22

O Américo é empregado por conta de outrem. Preenche o IRS individualmente, é residente no continente, não tem dependentes a seu cargo, não aufere de outros rendimentos que não sejam do seu trabalho e também não recebe os seus subsídio de natal e férias em duodécimos.

Para tornar o cálculo mais simples excluí deste exercício o subsídio de alimentação, pois se este fosse pago acima ou abaixo da tabela divulgada anualmente pela AT, isso poderia levar a que este exercício se tornasse demasiado elaborado.

Para enquadramento geral podemos imaginar que o Américo nasceu nos anos 80, tem formação superior e já trabalha há dez anos.

A seu salário é de 1.560€, o que para Portugal nem parece mau, mas o que chega à sua conta bancária são apenas 1.120,40€, valor que andará próximo do salário médio nacional. Apesar da lei portuguesa impedir que essa informação conste no seu recibo do salário, este ordenado custa ao seu empregador 1.930,50€. Já aqui postei sobre o mesmo assunto, embora noutra direcção.

Por estar a receber um valor cada vez mais próximo do Salário Mínimo Nacional, o Américo foi falar com o seu patrão. Explicou-lhe o que o seu irmão mais novo, que está a trabalhar na Irlanda há dois anos, recebe mais de 4.000€ por um trabalho idêntico. Por isso pediu-lhe um aumento.

O patrão que receia que o Américo também emigre, decide aumenta-lo. Explica-lhe que gostaria de lhe pagar mais e como ele sabe a empresa está a atravessar dificuldades por causa da pandemia, mas logo que haja condições irá recompensa-lo.

Assim, o patrão decide aumentá-lo em 30€. É um aumento pouco mais do que simbólico, mas é uma forma de se mostrar sensível à exposição do Américo. Este aumento irá custar à empresa 37€ adicionais.

Assim ficamos na seguinte situação:

taxa chata 1 (2).png

Cálculos efectuados através do site Doutor Finanças.

Importa relevar que se o Américo fosse casado ou vivesse e união de facto estes cálculos seriam diferentes. Não que o estado queira saber das opções individuais dos portugueses, pois o Américo podia viver com a Joana, com o João, com quem poderia estar ou não casado. O Estado não quer saber disso para nada, excepto para efeitos fiscais.

Se o Américo vivesse numa das Regiões Autónomas, os valores aqui apresentados seriam também diferentes. Não que os madeirenses ou os açorianos sejam cidadãos diferentes dos demais, pois todos somos iguais perante a lei. Excepto para efeitos fiscais.

Se o Américo tivesse filhos ou outros dependentes a seu cargo, os valores aqui apresentados seriam também diferentes. É óbvio que o país precisa de crianças para se renovar geracionalmente e com o tratamento desigual a quem não tem dependentes a seu cargo, o estado procura promover a renovação geracional. Os mais recentes censos confirmam o sucesso desta variável na fórmula de cálculo do IRS.

Se o patrão do Américo se atrasar no pagamento de um salário e no mês seguinte lhe pagar os dois salários juntos, isso terá de ter um tratamento próprio de forma a que essa duplicação não o faça subir de escalão. Não que o estado queira controlar todos os instantes do que se passa na relação entre o empregador e o empregado, isso é que não. Excepto para efeitos fiscais.

Importa também acrescentar que no período em causa o Américo não auferiu do pagamento de férias não gozadas, não recebeu nenhum subsídio de compensação de encargos familiares (creches, jardins de infância, estabelecimento de educação, lares de idosos e outros serviços ou estabelecimentos de apoio social), nem subsídios destinados ao pagamento de despesas médica e medicamentosa, não beneficiou de refeições tomadas das entidades empregadoras, não recebeu nenhuma indeminização por despedimento ilegal nem nenhuma compensação por cessação do contrato de trabalho, nem ainda nenhum desconto para a aquisição de acções da entidade empregadora. Se algumas destas situações tivesse ocorrido, os cáculos seriam diferentes.

Mais simples é impossível.

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