A Revolução de Capim
Há cerca de uma década suicidou-se Mohamed Bouazizi, vendedor ambulante tunisino desesperado com o saque que os fiscais estatais lhe faziam. Foi um inesperado rastilho de um gigantesco movimento internacional, encetado por uma ampla movimentação das juventudes e que conduziu à queda na África do Norte de uma série de regimes ditatoriais, alguns com décadas de vigência. Foi a dita "Primavera Árabe" tantas vezes dita "Revolução de Jasmim".
Em Moçambique alguns auguravam que esses movimentos populares irradiariam para Sul. Visão que eu, avesso a revoluções populares - lobas europeias e leoas africanas que devoram as suas crias -, rilhava como algo escatológica e que resumia, glosando o célebre ditado africano, como anseio de uma "Revolução do Capim", este sempre esmagado quando lutam os elefantes.
Mas também eu desejei que aquele imenso momento fosse alerta dos poderes fácticos, no país e noutros vizinhos, assim motor de uma crescente democratização - e esta é, por definição, redistributiva. Avessa a monopólios de poder político e económico.
Hoje em Maputo, ali ao Alto Maé, em torno da estátua do fundacional Eduardo Chivambo Mondlane, uma previamente autorizada marcha pacífica de jovens admiradores do recém-morto músico Azagaia foi recebida pela repressão policial - dispersada através de gás lacrimógeneo, com prisões, espancamentos e feridos.
Actuar assim na própria capital, desde sempre um reduto do partido governamental ainda por cima, não é nada típico, julgo que será inédito. Via "redes sociais" e comunicação social digital vejo dezenas de filmes e fotografias do que acontece - pois já não é época de esconder estes actos, face ao "ciberactivismo" ou cibercidadania vigente.
E fico transido com esta boçalidade poderosa - não lhes passa pela cabeça a hipótese da tal "Primavera de Capim"? Mesmo que desprezem as oposições, as juventudes nacionais, não aprendem nada com a História? Ainda por cima esta tão recente?