O ditador soviético quis transformar a Alemanha num Estado-satélite, sem verdadeira soberania. Enquanto as potências ocidentais apostavam na reconstrução de uma Alemanha próspera para evitarem os erros cometidos no final da I Guerra Mundial, quando a miséria e o caos social fizeram chocar o ovo da serpente de onde emergiu o regime nazi.
Enclave ocidental
Berlim, naquele ano de 1948, permanecia sob ocupação militar. Dividida em quatro zonas. Três quartos da cidade funcionavam como autêntico enclave ocidental em território comunista – ilha democrática no imenso império vermelho. A 7 de Junho, as potências ocidentais anunciaram a intenção de unificar as áreas territoriais sob a sua jurisdição – formando aquilo que seria a República Federal da Alemanha a partir do ano seguinte. No dia 20, entrava em circulação uma nova divisa monetária, o marco alemão, substituindo as senhas de racionamento que vigoravam desde o fim da II Guerra Mundial. Tudo à revelia de Moscovo.
Era um equilíbrio precário entre os antigos aliados que prometia não durar muito. E assim foi: a 24 de Junho, Estaline ordenava aos seus efectivos militares o encerramento compulsivo das vias de acesso a Berlim Ocidental tanto por estrada como pelas linhas férreas que conduziam a Hamburgo e Munique, bloqueando igualmente os canais fluviais: 2,2 milhões de pessoas viram-se privadas, de um dia para o outro, de alimentos. A cidade apenas produzia 2% daquilo que comia, dependendo quase em exclusivo do exterior para esse efeito.
Num primeiro momento, a administração norte-americana hesitou. Alguns conselheiros do Presidente Harry Truman não queriam arriscar um conflito declarado com os soviéticos, anteriores aliados de Washington na guerra contra a Alemanha nazi, nem socorrer aquela população, que escassos anos antes vitoriava Hitler e diabolizava os EUA.
A maior ponte aérea
Truman não escutou tais vozes. Estava convencido de que se Berlim caísse por inteiro nas mãos dos soviéticos, os EUA perderiam rapidamente o domínio de todo o território alemão.
A 26 de Junho o inquilino da Casa Branca ordenou o início da Operação Vittler – que viria a transformar-se na maior ponte aérea destinada ao transporte de carga humanitária. Usando para o efeito três corredores aéreos, com 32 quilómetros de largura, a partir de Hamburgo, Hannover e Frankfurt, na Alemanha Ocidental.
O desafio foi imenso: nunca tinha sido montada uma operação deste género, para fins civis, em toda a história da aviação. O general Lucius Clay (1898-1978), comandante militar norte-americano na Alemanha, foi o artífice supremo deste imenso aparato logístico que viria a mobilizar um total de 277.569 voos rumo. «Ninguém nos expulsará de Berlim», garantiu.
Este abastecimento aéreo da população cercada foi um sucesso, rapidamente difundido nos documentários de actualidades exibidos diariamente nas salas de cinema um pouco por todo o mundo. Tornando-se assim num inesperado foco de propaganda americana em socorro de cidadãos em risco, enquanto os soviéticos eram apresentados como seres impiedosos, capazes de condenar homens, mulheres e crianças à fome e ao frio.
O argumento atómico
Estaline ainda ponderou encerrar unilateralmente os corredores aéreos. Truman dissuadiu-o, fazendo sobrevoar sobre a Alemanha dois bombardeiros B-29 – as chamadas “superfortalezas” – idênticos aos que em 1945 lançaram as bombas atómicas em Hiroxima e Nagasáqui. A URSS ainda não dispunha de arsenal nuclear, o que limitava a capacidade de manobra do dirigente soviético, com noção exacta das distâncias geográficas: uma bomba despejada sobre Berlim teria efeitos inevitáveis em Moscovo, a 1854 quilómetros de distância.
Perdida a batalha da propaganda, confirmada a resistência da população de Berlim e a intenção de Washington de prosseguir a ponte aérea – na qual também participou a Real Força Aérea britânica – Moscovo cedeu. A 11 de Maio de 1949, era anunciada a reabertura das ligações por estrada e via férrea entre Berlim e a Alemanha Ocidental, através de território controlado pelos comunistas, com efeitos logo após a meia-noite. Mas os voos de abastecimento prosseguiram até final de Setembro: havia que salvaguardar reservas suficientes na cidade para a hipótese de haver novo cerco.
Berlim estaria em foco noutros dramas – o maior dos quais ocorrido a 13 de Agosto de 1961, quando Moscovo ordenou que toda a parcela ocidental da cidade ficasse cercada por blocos de betão numa desesperada tentativa de drenar a contínua fuga de cidadãos do Leste para o Ocidente: erguia-se assim o tristemente célebre Muro. Símbolo máximo da Guerra Fria, emblema de um sistema político que entraria em derrocada definitiva em Novembro de 1989. Derrubado pela própria população de Leste, que nunca desistiu de perseguir a liberdade.
A ajuda que vinha do céu
Apesar da ponte aérea, a população de Berlim Ocidental passou por inúmeras privações entre Junho de 1948 e Maio de 1949. Faltava a energia para o abastecimento de fábricas e lares. Nesse Inverno vários habitantes mais idosos morreram devido ao frio. A iluminação pública esteve quase sempre racionada. E chegou a ser ordenado o corte de milhares de árvores para acender lareiras na cidade sitiada.
Nesses meses, muitas das crianças da cidade acorriam a toda a hora às vedações do velho aeroporto de Tempelhof e do novo aeroporto de Tegel (inaugurado em Dezembro de 1948), onde era constante o movimento das aeronaves ocidentais. Os miúdos dessa geração habituaram-se a brincar com aviões de papel, de lata ou de madeira – muitas vezes feitos por eles próprios. Cada qual, à sua maneira, simbolizava a resistência à escravidão.