A república popular
André Abrantes Amaral considera aqui que o actual regime se esgotou em 1986, numa curiosa tese de fim da História (talvez não tenha acontecido mais nada entretanto). O autor pergunta para que serviu o 25 de Abril e descreve a democracia como uma espécie de calamidade, o progresso económico como uma quimera.
Estas ideias parecem confusas e leves. O 25 de Abril serviu para acabar com uma guerra colonial que Portugal não podia vencer, também serviu para proporcionar a existência de opiniões livres (só a liberdade de expressão teria bastado para justificar o movimento), permitiu ainda a adesão às comunidades europeias. Sem liberdade e democracia, não estaríamos na UE e a evolução do país teria sido diferente, para pior, pois recebemos anualmente subsídios europeus equivalentes a uma média de 3% do PIB, isto durante 30 anos. Em apenas quatro décadas, Portugal conseguiu aquilo que outros países europeus fizeram num século. Em 1974, a proporção de analfabetos era de uma em cada quatro pessoas, agora é de 5%; o número de alunos no ensino secundário passou de pouco mais de 60 mil para quase meio milhão. Em 1974, metade das residências tinha água canalizada, agora é quase a totalidade. A esperança de vida à nascença aumentou dez anos e a mortalidade infantil foi reduzida para um valor que é um dos melhores do mundo. Em 1974, um terço da população activa trabalhava na agricultura; agora, a proporção é inferior a 10%. No mesmo período, o PIB per capita duplicou em termos reais.
É escusado prosseguir a lista de transformações, mas o Portugal de hoje (mesmo a sair de uma crise) não tem nenhuma semelhança com o país tristonho e pobre de 1974. A sociedade sofreu uma alteração radical, o império é uma memória, as pessoas gozam de amplas liberdades e a democracia é indiscutível. O autor escreve que não há debate político e que Portugal se desenvolveu à custa da dívida, quando é evidente que as razões do desenvolvimento são outras, que a dívida é recente e que não há dissidentes ou presos por delito de opinião. Aliás, se não há debate, é também porque André Abrantes Amaral vai ignorar este texto.
No fundo, a direita e a esquerda têm discursos parecidos em relação à Revolução de 1974: ambos consideram que se tratou de um fracasso. A esquerda acha que as ideias iniciais foram atraiçoadas, que a utopia nunca se cumpriu. A direita, de que é exemplo a análise citada, pensa que as promessas não estão concretizadas, que o novo regime é uma espécie de república popular e que devia ser mais liberal, embora os portugueses tenham escolhido assim.