A redução ao absurdo
Poderá fazer sentido que se dê a uma crónica um título – "Se Mandela fosse do PSD, o BE arranjaria maneira de lhe chamar racista" – de cuja leitura não restem dúvidas sobre quem são os destinatários do texto, assim se restringindo a audiência. Neste caso ao BE, seus militantes e simpatizantes, e aos próprios e indefectíveis leitores do autor do texto. Isso pode servir também de aviso para quem, eventualmente, pudesse estar interessado em alargar horizontes, analisar argumentos e reflectir com o autor sobre o tema.
Se o cronista considera que as posições críticas do BE em relação a Passos Coelho são um disparate, penso que faz muito bem em dizê-lo. Isso é saudável em qualquer democracia. Mas devia, penso eu, fazê-lo de maneira a não restringir tanto o campo dos seus potenciais leitores.
Afinal, Feliciano Barreiras Duarte, que foi secretário de Estado nos três últimos governos do PSD, e também discorreu de viva voz para o semanário Expresso sobre o que foi dito no Pontal, tendo visto "com muita preocupação" as declarações de Passos Coelho sobre as alterações à lei da emigração e chegando ao ponto de dizer que "têm sido muitas as pessoas e as instituições, sendo ou não do PSD, que depois dessas declarações me têm contactado, demonstrando nuns casos revolta e indignação e noutros casos preocupação, porque não se revêem neste tipo de proclamações e temem o efeito rastilho que podem ter negativamente para Portugal e os portugueses", ainda acrescentando que "para muitos a grande dúvida é se este tipo de proclamações é apenas típico da época pré-eleitoral autárquica ou se é o início de um caminho diferente do PSD relativamente a estas matérias", poderia ter interesse em também ler sobre esse assunto. Tal como José Eduardo Martins e muitos outros que no PSD não partilham de todas as opiniões de Passos Coelho.
O racismo é com todos nós e não me parece que alguém, mesmo no BE, no seu perfeito juízo considerasse que as infelizes declarações de Arménio Carlos, a raiarem pelo menos o preconceito e que Rui Ramos achou por bem repescar neste momento, devessem ser aplaudidas. Como também não me parece, pela mesma ordem de razões, que alguém, à esquerda ou à direita e no seu perfeito juízo, fosse retirar das igualmente infelizes declarações de Passos Coelho no Pontal, que o fulano é racista ou xenófobo.
Pensava eu que de um professor universitário e historiador seria de esperar outro tipo de argumentação. Mas não, voltei a enganar-me. Para além da mais do que evidente confusão de conceitos, enfiando tudo no mesmo saco, como aliás é típico do discurso populista mais ranhoso, ultimamente muito em voga na Casa Branca, a argumentação usada por Rui Ramos, de tão básica e redutora, assemelha-se à que, segundo ele, é utilizada pelos que no BE criticam Passos Coelho.
Pessoalmente, desconheço que esquerda democrática é essa, e à qual Rui Ramos se refere, que adopta o método "comunista e neo-comunista" (sic) de "desqualificar os adversários". Ramos devia esclarecê-lo, dizendo a quem se refere, porque só uma esquerda estúpida e ignorante o faria. Desqualificar os adversários é próprio de gente estúpida. De outro modo, se não o fizer, estaremos perante uma outra forma de reduzir a argumentação ao primarismo daquela que foi por ele usada no seu texto.
Em todo o caso, tenho a convicção de que Mandela, por muito que virasse à direita, nunca seria deste PSD a que Ramos se refere, o que desde logo e para seu evidente desgosto retiraria ao BE a oportunidade de lhe chamar racista, e a ele a oportunidade de escrever outra crónica como a que escreveu.
Parafraseando o autor, "com o devido respeito", "resistir sem medo" à argumentação delirante e maniqueísta de um cronista, professor universitário e historiador, "não é apenas um meio de manter a liberdade de espírito necessária para enfrentar problemas como os que derivam das migrações do Médio Oriente: é também um meio de defender a democracia". E, acrescento eu, uma forma de manter a sanidade e combater os que dividem o mundo entre os que estão com Passos Coelho e os outros.