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Delito de Opinião

A recepção do Mundial

jpt, 07.12.22

portugalsuicça.jpg

(Postal no meu mural de Facebook)
 
"Ensaio" blogo-facebuquesco sobre a recepção do Mundial
 
1) Quase todas as minhas 4000 ligações-FB são com moçambicanos ou portugueses.
 
2) Entre as com os portugueses - e por ter blogado de Moçambique durante anos - tenho muitas ligações com quem viveu lá (ou em África). Neste Mundial de futebol (tal como nos anteriores) neste "universo" imensos a ele aludem.
 
3) Entre os portugueses "africanistas" é recorrente a simpatia para com as equipas africanas. Como eu, agora a apoiar o Gana ou o Senegal - este mesmo com a equipa pejada de (também) franceses, o que é um (mais) um caso interessante de inversão da "apropriação", que escapa à atenção dos doutos "póscoloniais", pois não lhes cabe na esquemática cartilha denunciatória, pejada de referências bibliográficas ao Prof. Maniqueu.
 
 
Tais simpatias vêm por questões mesmo afectivas: de "identidade" (alguns consideram-se africanos, normalmente - mas não sempre - por terem nascido no continente). Ou por "identificação" - uma simpatia acrescida, às vezes mesmo uma empatia desejada (falo por mim, mas estou certo que não vou só nisso).
 
4) Outros portugueses, uma minoria, que também surgem a torcer por equipas africanas, mas com outro substrato, não ancorado em vivências biográficas mas sim "intelectuais". Refutam em geral o tradicional domínio dos "europeus", e neste caso o futebolístico - e a isso vão associando um desdém afirmado pelo futebol, fenómeno de massas que os desconforta mas que, ainda assim aceitam positivo para a afirmação "africana". Como se naqueles austrais contextos sociais seja ainda algo aceitável o domínio da "emoção" da bola, enquanto para nós se exija a vigência da "razão" além-bola. São doutores (licenciados, mestres, doutorados), papagueiam o velho Senghor, e de forma treslida, e nem percebem que o fazem, "progressistas" "decoloniais" "alterglobalistas" que se imaginam. São os blasés. Ou, em bom português evitando galicismos, os "tugas", com tudo o que de pejorativo tem o termo, sinónimo de nhurro, grunho.
 
5) Entre as minhas ligações moçambicanas muito se fala de futebol. Até mais do que entre as portuguesas. Ao longo dos anos constatei o reforço dos clubes de "Messi" (mais) e de "Ronaldo" e o crescimento da influência dos clubes europeus - primeiro via rivalidade Real-Barcelona, hoje dos grandes ingleses, que coabitam com simpatias pelos 3 grandes portugueses e seus despiques.
 
No Mundial é interessante dar uma leitura diagonal no que se vai dizendo: há muitos que discutem (e torcem) pelas grandes equipas (Brasil, Messi, França, etc.) e por Portugal. E ao mesmo tempo pelas equipas africanas - em muitos casos almejando o seu fortalecimento até ao nível dos grandes mundiais e lamentando as ainda fragilidades. Há nisto algum "pan-africanismo", o desejo que quaisquer das selecções do continente sigam em frente. (Algo aparentemente muito similar ao que refiro nos pontos 1, 2, 3). Mas há discussões muito interessantes - que os tais meus patrícios "decoloniais" incompreendem, talvez por o Prof. Maniqueu não lhes ter dedicado ensaios.
 
Por um lado, a relação com os sucessos de equipas como a Tunísia ou, em particular, de Marrocos. Festejar, apoiar essas equipas africanas? Pois, e é recorrente ler isso, são "brancos"... Ou, contrapõem alguns, "os árabes não são brancos", nisso aceitando alguma simpatia, qual um mal menor - e lá regressa a velha tarefa racializadora oitocentista, agora actualizada nos campi norte-americanos... E enfim, lá se vistoriam (policiam?) as simpatias pelos algo confusos critérios raciais.
 
Por outro lado, caem os ditirambos sobre aqueles que vêm aos murais do FB torcer - ou mesmo apenas atentar - nas fortes selecções europeias (grande Croácia, magnífico Modric por exemplo). É comum ler serem esse chamados de "colonizados", "colonizados mentais" - e nisso os nossos doutores "decoloniais" já devem concordar...
 
6) Enfim, no próximo Inglaterra-França lá torcerei pelos ingleses (efeito da mais velha aliança do mundo? vingança pelas invasões napoleónicas?). E no Holanda-Argentina pelos de Messi estarei (raiva pelas investidas seiscentistas contra as nossas possessões imperiais? vínculo à latinidade?). No Brasil-Croácia?, pela equipa do Grande Modric (europeísmo fundamentalista?). Ou serei eu, pois branco europeu tão superior aos vínculos histórico-culturais, às derivas políticas e às paixões raciais que posso ter adesões estético-afectivas nas coisas bola, contrariamente aos povos negros, algemados à sua "natureza" histórica, que lhes estipula uma ética de adeptismo?
 
7) No Portugal-Angola do Mundial de 2006 fui com o Idasse e o Noel Langa (e talvez o Marcelo Panguana, mas não tenho a certeza sobre ele) ver o jogo a um grande complexo no bairro de Benfica. Estavam centenas de pessoas, ali diante do ecrã gigante. Depois do jogo actuaria Wazimbo. Estariam apenas meia dúzia de portugueses - gente tarimbada em Maputo pois ali e não num Bairro Central qualquer... um dos quais na nossa mesa, longa, corrida, com dezenas de pessoas. Chegámos cedo, ambiente festivo, corriam as 2M, vinham moelas, galinhas, amendoim. Eu nisso decerto que algo excessivo, pois no nervoso miudinho, habitual nos jogos, ainda por cima estreia de Mundial após o Euro-2004... As conversas corriam, gargalhadas, e a constatação era evidente - toda a gente estava a torcer por Angola, excepto a tal meia-dúzia de patrícios, num bem dito "pela equipa africana" mas também num avesso, ainda que sorridente, ao "xi-colono".
 
Começou o jogo, a nossa belíssima equipa - a melhor de sempre em Mundiais - a enlear. E logo Pauleta marcou. Toda aquela gente se levantou num grito de "Golo!" em uníssono, festejando em abraços e sorrisos!!!!
 
Estavam todos "colonizados"? Claro que não o estavam nem estão. Pois as paixões no entretenimento desportivo não são legíveis pela política linear. Muito menos pelo estupor racista. Nem - e isso é importante para o meu contexto - pelo blaseísmo lisboeta.
 

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