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Delito de Opinião

A Rainha

Pedro Correia, 06.02.22

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«A dissimulação é a ciência dos reis.»

Cardeal Richelieu

 

Quando ela ascendeu ao mais alto cargo do seu país, José Estaline era ainda o senhor absoluto da Rússia vermelha. Nos Estados Unidos, mandava Harry Truman, então sem saber o que fazer dos soldados atascados no inferno da Coreia. E na Grã-Bretanha o primeiro-ministro era Winston Churchill, herói da guerra.

 

Ela viu tudo, ouviu todos.

Quando se sentou no trono herdado de seu pai, Mao Tsé-Tung mandava na China continental, Chiang Kai-Shek pontificava na Formosa, Hirohito mantinha-se como imperador do Japão mesmo após a rendição do seu país aos pés do general Douglas MacArthur. Havia nessa altura outros imperadores no mundo: Hailé Selassié na Etiópia, o xá Reza Pahlevi no Irão. As monarquias eram em número bem superior ao actual: havia-as da Grécia (com o rei Paulo) ao Egipto (com o rei Faruk). E até na Líbia do rei Idris, que um tal coronel Kadhafi viria a derrubar 17 anos mais tarde, em 1969.

 

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Nesse mês de Fevereiro de 1952, quando a jovem Isabel se tornou Rainha da Grã-Bretanha, com apenas 25 anos, o planeta era governado por figuras que hoje têm lugar garantido nos livros de História: Sukarno na Indonésia, Perón na Argentina, Tito na Jugoslávia, Franco na Espanha, Nehru na Índia, Ben-Gurion em Israel, Getúlio Vargas no Brasil, Salazar em Portugal.

Conheceu muitos deles, numa sucessão de encontros ao longo de sete décadas – tempo suficiente para ter visto aparecer e desaparecer Elvis Presley, os Beatles, os Pink Floyd e os Nirvana.

Coexistiu com sete Papas (Pio XII, João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e Francisco), dez presidentes franceses (Vincent Auriol, René Coty, De Gaulle, Pompidou, Giscard d’Eistang, Mitterrand, Chirac, Sarkozy, Hollande e Macron), nove chanceleres alemães (Adenauer, Erhard, Kiesinger, Willy Brandt, Helmut Schmidt, Kohl, Schroeder, Angela Merkel e Olaf Scholz), 14 presidentes norte-americanos (Truman, Eisenhower, Kennedy, Johnson, Nixon, Ford, Carter, Reagan, Bush pai, Clinton, Bush filho, Obama, Trump e Biden). E 20 chefes do Estado brasileiros – de Getúlio a Bolsonaro. E nove presidentes de Portugal (Craveiro Lopes, Américo Thomaz, Spínola, Costa Gomes, Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa) e 18 primeiros-ministros portugueses, da ditadura ao actual regime constitucional, passando pelo período revolucionário, onde em menos de dois anos houve seis Executivos.

 

Sábia, serena, sibilina, Isabel II foi reinando ao longo de todo este tempo de convulsões no mundo.

Assistiu a guerras no Congo, no Vietname, no Biafra, no Médio Oriente e nos Balcãs. Testemunhou a descolonização de África, a chegada do homem à Lua, o desmoronar do bloco soviético. Viu as monarquias chegarem ao fim em países tão diferentes como o Iraque, o Afeganistão e o Nepal. E serem restauradas noutros, como em Espanha e no Camboja.

Trabalhou com 14 primeiros-ministros – dez conservadores (Churchill, Anthony Eden, Harold MacMillan, Alec Douglas-Home, Edward Heath, Margaret Thatcher, John Major, David Cameron, Theresa May e Boris Johnson) e quatro trabalhistas (Harold Wilson, James Callaghan, Tony Blair e Gordon Brown).

 

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Churchill não escondeu a ternura paternal que sentia pela jovem monarca. Ela retribuía-lhe a simpatia, sem quebrar o rígido dever de imparcialidade que os costumes do reino lhe impõem, mas não falta quem garanta que o primeiro-ministro favorito dela foi Harold Wilson, com os seus ares de filósofo de cachimbo na swinging London dos anos 60. E que Thatcher terá sido a líder do governo que mais detestou. O que não a impediu de comparecer no seu funeral de Estado, em Abril de 2013.

A verdade sobre isto e tudo o resto não será apurada num livro de memórias com selo real. Isabel II, a monarca britânica há mais tempo no trono, nunca escreverá esse livro.

 

Num mundo em mutação, onde tudo passa, tudo se esgota e tudo se esquece, ela é uma referência de estabilidade. Lembramo-nos dela desde sempre, são já poucos os que conheceram outro chefe do Estado no Reino Unido. O tempo dela foi sulcado por todas as modas – do chapéu de coco ao punk, passando pela mini-saia de Mary Quant.

Só ela nunca passou de moda.

 

O que sente, o que pensa, o que esconde?

Só ela sabe: por detrás do suave sorriso protocolar, subsiste a esfinge nesta monarca que ninguém tem a ilusão de conhecer.

«A dissimulação é a ciência dos reis», dizia o cardeal Richelieu. Uma legenda que bem se aplica a Isabel II, Rainha da Inglaterra, Escócia, País de Gales, Irlanda do Norte, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Jamaica, Bahamas, Granada, Papuásia-Nova Guiné, Ilhas Salomão, Tuvalu, Santa Lúcia, São Vicente e as Granadinas, Belize, Antígua e Barbuda, e São Cristóvão e Névis.

 

Isabel II subiu ao trono a 6 de Fevereiro de 1952 por morte de seu pai, Jorge VI. Faz hoje 70 anos.

 

Texto reeditado e actualizado

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