A primeira vítima do Brexit
Pablo Iglesias: menos 1,1 milhões de votos seis meses depois
Durou pouco a euforia dos eurocépticos que festejaram a vitória do populismo abrindo garrafas de champanhe para festejar o Brexit em nome dos sacrossantos princípios soberanistas contra as forças do mal encarnadas na "burocracia de Bruxelas".
Passados cinco dias, os estragos provocados pelo referendo são já evidentes: Reino Unido sem governo, pulsões racistas à solta, o separatismo a ganhar terreno na Escócia, campanhas de subscrição pública para uma nova consulta popular sobre a Europa no mais curto prazo possível, tentativas desesperadas de protelar o divórcio decretado nas urnas por parte de alguns que mais o defenderam na campanha, os dois principais partidos mergulhados em convulsões internas, uma crise política com inevitáveis consequências no plano financeiro da segunda maior economia europeia, uma fractura social de que só agora vislumbramos os primeiros contornos, uma sensação geral de irresponsabilidade que no fim só afastará ainda mais os cidadãos das instituições.
Um quadro de desorientação a que por enquanto só parece escapar o UKIP, que deu o tom e visibilidade máxima à campanha referendária para pôr fim à relação de 43 anos entre o Reino Unido e o espaço comunitário. O mesmo UKIP xenófobo que clama contra a absorção de "um milhão de imigrantes por década" no país e ao qual o neo-soberanista Pacheco Pereira acha muita graça: na última edição da Quadratura do Círculo o ex-líder parlamentar do PSD chegou a elogiar um slogan eurofóbico do partido de Nigel Farage: "Mais vale o buldogue inglês do que a couve de Bruxelas." Perante o óbvio e compreensível constrangimento de Jorge Coelho e Lobo Xavier, seus parceiros de painel.
Em política há males que vêm por bem. Acontece que o Brexit começou a funcionar como vacina para os europeus. Isso acaba de verificar-se em Espanha, onde os eleitores acorreram às urnas pela segunda vez em seis meses. Premiando o Partido Popular de Mariano Rajoy, inabalavelmente pró-europeu, ao qual confiaram mais 700 mil votos, e castigando o populismo de Pablo Iglesias, o Alexis Tsipras espanhol, que perdeu mais de 1,1 milhões de votos em relação ao anterior escrutínio apesar de contar nesta campanha com o que resta do outrora influente Partido Comunista, agora reduzido a estilhaços. O aventureirismo galopante de Iglesias, com as suas prédicas de tele-evangelista anti-sistema, foi duramente penalizado ao surgir desta vez abraçado nos palcos eleitorais à Esquerda Unida que sempre combateu a opção europeia de Espanha.
Os nacionalismos aliados ao populismo mais desbragado ameaçam produzir muitos estragos em pouco tempo num continente que pagou em sangue e cinzas o preço de dois conflitos mundiais que nele tiveram o epicentro. Dois conflitos provocados precisamente pelas mesmas receitas que alguns, à esquerda e à direita, hoje advogam irresponsavelmente no espaço público.
Estes pregadores que rasgam as vestes em nome da soberania nacional contra a União Europeia menosprezam o instinto de preservação dos povos, sedimentado pelas lições da história. No Reino Unido ficaram com o Brexit nos braços sem saber o que fazer com ele. Por cá, desenvolvem uma retórica delirante sobre o destino da Europa, que voltaria a incendiar-se se eles alguma vez saltassem das pantalhas televisivas para os centros de decisão política.
É deixá-los estar nas televisões e nos jornais, onde apesar de tudo produzem menos estragos.