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Delito de Opinião

A praxe não tem lugar num mundo civilizado

José Gomes André, 25.01.14

A defesa da praxe recorre aos habituais argumentos: serve para “integrar” e “facilitar o entrosamento”, e em caso de excessos torna-se reprovável e os seus autores devem ser punidos. Nada mais falso. O equívoco reside nesta dicotomia, que define os contornos de uma praxe “boa” e de uma praxe “má”. A primeira procuraria familiarizar os indivíduos com a instituição a que agora pertence; a segunda utilizaria meios violentos para o atingir.

 

Trata-se de uma mistificação. A essência da praxe não é a “integração”, mas sim a humilhação. A praxe não existe para introduzir um indivíduo num contexto social harmónico ao qual ele aspira pertencer, mas sim para clarificar desde logo a relação de forças que existe nesse mesmo contexto, ou seja, para tornar evidente que o noviço se encontra na base da estrutura hierárquica da instituição, devendo submeter-se às condições impostas pelo topo da pirâmide. Evitando uma longa e penosa explicação teórica destas circunstâncias, a praxe manifesta, num instante físico conciso e intenso, os contornos exactos dessas regras, instaurando uma relação imediata entre o senhor e o servo, o dominador e o submisso.

Não se trata de um ritual iniciático, cujo móbil é o desejo de inscrever e assimilar. A praxe é uma cerimónia puramente exclusiva, que define os espaços interditos ao aspirante, confinando-o às rígidas fronteiras da hierarquia imutável da instituição. Na verdade, só o tempo permitirá a ascensão na pirâmide, embora apenas com o intuito de cristalizar a ordem pré-definida. Em rigor, a praxe é o mais acabado exercício de mumificação que as sociedades modernas engendraram. Uma sociedade civilizada devia erradicar este fenómeno puro de exclusão, esta coacção psicológica necessariamente violenta, esta forma de opressão perpétua. Num mundo esclarecido, não há lugar para a praxe. Sem excepções.

[Escrevi este texto em 2007 e já o republiquei duas vezes. O "Dux" não lhe ligou nenhuma. Talvez tenha melhor sorte desta vez]

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