A Ponte do Trancão
jpt, 13.08.23
Leio, com ligeira surpresa, que a Câmara Municipal de Lisboa quer dar à nova ponte pedonal sobre o Trancão o nome de Manuel Clemente, até há pouco cardeal de Lisboa. À igreja católica portuguesa correu bem este recente Festival Juvenil em Lisboa, uma gigantesca enchente, simpáticos visitantes, a presença de um Papa carismático, uma organização escorreita. Decerto que reanimou a congregação nacional, que se sentiria esmaecida pela perda de influência política e social nas últimas décadas. E veio doirar o clero, atrapalhado pela pérfida (é o termo) reacção ao problema geral católico, a pedofilia praticada por alguns dos seus membros diante do silêncio conivente da corporação profissional. E para quem queira negar isso (pois há holigões católicos) bastará recordar as recentes diatribes da hierarquia eclesiástica, como o bispo que se "esqueceu" de responder ao inquérito sobre essa questão ou as sucessivas declarações do feio bispo Linda, do Porto, este ciciando serem as enrabadelas aos petizes apenas "disparates" similares aos dos treinadores de futebol que se insinuam às jogadoras... Ao que constou - e tão recentemente - Manuel Clemente também se atrapalhou um bocado nas medidas disciplinares internas e nas denúncias criminais aos seus inferiores - e convém lembrar que, ao contrário do que alguns bispos mariolas quereriam, isto de andar a violar os membros (juvenis, juniores ou seniores) do rebanho não é apenas um assunto interno da igreja, é mesmo assunto de tribunal e polícia. Até porque a igreja, seja sob João Paulo, Bento ou Francisco, não é um Estado aqui. Por mais que - e repito-me - os holigões beatos perdigotem isso.
Mas o cardeal Clemente talvez tenha apenas sido timorato, no ocaso da sua carreira, face ao grande problema internacional católico. Terá pecado por tergiversação... Lapide quem nunca tenha pecado!
Agora nomear a ponte do Trancão com o seu nome parece-me descabido, e por outras razões. Sim o Estado é laico, mas isso não implica que não possa homenagear clérigos. Mas eu recordo-me que Manuel Clemente, já cardeal de Lisboa e após ter sido sufragado pela empresa de Pinto Balsemão, e políticos e intelectuais cooptados, como ilustre intelectual (Prémio Pessoa), andou na década passada a consagrar padres exorcistas, que possam "expulsar os demónios" dos pobres membros da congregação.
Ou seja, o Estado português, o Governo da República, a Câmara Municipal de Lisboa, a Junta Metropolitana, o Presidente Carlos Moedas, a oposição PS (que não se oporá à igreja, ainda para mais agora), esta rapaziada toda prepara-se para botar à ponte do Trancão o nome de um promotor de exorcismos? Em 2023? Está tudo maluco? Andam a beber o vinho da missa?
(E depois vão lá ver ao domingo na TVI o dr. Portas tecer loas à igreja e invectivar as "seitas" cristãs sul-americanas...)