A pandemia dentro da pandemia
Durante o recente estado de emergência em Espanha, 59 cadáveres ficaram por reclamar em Madrid. Imagino que terão sido pessoas como qualquer de nós: riram, choraram, conviveram, sonharam, amaram. Foram a «palha pensante» de que falava Pascal, aludindo à fragilidade da condição humana.
Na nudez absoluta da morgue, ninguém as procurou: incineradas ou depositadas na vala comum sem um lamento fúnebre, tornaram-se mero dado estatístico para discussões à hora do jantar.
Esta é uma pandemia dentro da pandemia: a de que menos se fala mas a que mais devia preocupar-nos, pois comprova como se tornaram inóspitas as sociedades que criámos, gerando desenfreadas correrias que conduzem a lugar nenhum. Quantos dramas humanos se ocultam sob as luzes citadinas? Quanta dor silenciada na perpétua vigília de quem é incapaz de adormecer? Quanta solidão povoada de fantasmas assombrando noites que nunca verão nascer o sol?