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Delito de Opinião

A nossa tragédia

Teresa Ribeiro, 12.09.14

Agora que se estreia o filme do João Botelho vem-me à memória a primeira vez que li Os Maias, ainda na adolescência. Foi um acto compulsivo, de deslumbramento, que me afastou do mundo durante três dias. Bastava esta obra para ter-me rendido aos encantos da literatura, caso não gostasse já muito de livros.

Mesmo sem ter esse papel fundador, Os Maias transformaram-me. Como leitora passei a um outro patamar de exigência, sempre à procura dos shots de emoções que já sabia possíveis. Com o tempo descobri também, como um mistério, a impossibilidade de replicar através de outros livros, que me emocionaram - e foram muitos - a mistura de nostalgia, desencanto e ternura que a obra-prima de Eça me despertou.

Apesar de a ter sempre presente fui adiando a sua releitura integral talvez com o receio de que uma revisitação toldasse a memória da minha precoce fascinação, mas foi com alívio e espanto que este ano voltei a devorá-la como se fosse a primeira vez. Não posso dizê-lo da maioria dos livros a que voltei, muito menos quando entre a primeira e a segunda leitura passaram tantos anos. A novidade foi, de facto, não ter havido novidade, algo que me fizesse olhar para aquele fresco que Eça pinta para nós de outra maneira. Mas não, nem o romance nem eu, nem as circunstâncias que o conservam para sempre actual mudaram.

João Botelho disse há dias em entrevista que Carlos da Maia e João da Ega são o alter ego bicéfalo de Eça. Sempre atribuí ao Ega esse papel, mas não rejeito esta leitura. O sentido crítico e horror à mediocridade, mas também o cepticismo e a inércia dos dois são dignos de quem se revê no epíteto "vencidos da vida". O fascínio de Os Maias é esta dor que Eça partilha e nos aperta. A dor da culpa misturada com a desculpabilizante impotência, uma fórmula que não tem tradução noutras línguas e que nos leva tantas vezes a concluir que não vale a pena correr para nada enquanto fazemos um sprint para não perder o comboio.

O que me enfeitiçou tão precocemente foi a descoberta do nosso inconsciente colectivo sob a saga dos Maias. Por isso saí dela como de uma epifania, com uma indecifrável sensação de derrota por afinidade. Quanto ao filme, vê-lo-ei um dia destes, num cinema perto de mim.

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