A noite política mais longa do ano
O presidente do PSD, que vira mais vezes baterias contra os comentadores do que contra o primeiro-ministro, não resistiu à tentação: no discurso de vitória da coligação anti-PS em Lisboa disparou contra esse alvo de estimação, acentuando que a reviravolta na capital do país ocorreu «contra as sondagens e alguns comentadores». Não mencionou nomes, nem era necessário: naquelas entrelinhas o nome de Marques Mendes quase parecia iluminado com luzinhas de néon.
Mendes foi um dos protagonistas do comentário político na noite eleitoral autárquica da SIC. Em estúdio, havia dois conselheiros de Estado – evidenciando que o canal do senador Balsemão joga cada vez mais forte no terreno institucional. Ambos, reconheça-se, habitualmente nada simpáticos para Rui Rio. Cada qual por seu motivo.
Fiel ao seu estilo, Marques Mendes antecipou «uma surpresa» quando todos os canais noticiosos estavam ainda impedidos por lei de divulgarem as sondagens à boca das urnas que já conheciam muito antes das 21 horas. Mensagem cifrada, que os espectadores mais atentos logo descodificaram: havia ali uma derrocada em perspectiva.
De facto, o maior derrotado da noite era Fernando Medina, o alcaide de Lisboa, que todos os canais sempre trataram com extrema complacência nos meses precedentes. Ao ponto de figurar entre os comentadores fixos da TVI24 até data bem recente. Como se fosse ele também já conselheiro de Estado.
Rei morto, rei posto: o protagonismo pela positiva coube desta vez a outros autarcas. Um sorridente José Manuel Silva, antigo bastonário dos Médicos, proclamando: «Já recolocámos Coimbra no mapa.» Um eufórico Santana Lopes, na Figueira, falando como se resumisse um lema do seu percurso de décadas: «Cair, levantar.» Um ainda aturdido Carlos Moedas, com Medina vencido, antecipando outros combates: «Este novo ciclo começa em Lisboa mas não vai acabar em Lisboa.»
As noites eleitorais nas televisões têm os seus momentos dignos de antologia. A do passado domingo, por exemplo, trouxe à tona um dos candidatos que andaram mais ausentes em toda a campanha: Basílio Horta, em Sintra. Ninguém deu por ele em debate algum apesar de liderar o segundo concelho mais populoso do país. Teimosia dele ou omissão escandalosa dos canais? A verdade é que na noite política mais longa do ano tivemos Sérgio Sousa Pinto na TVI24 a enviar-lhe um abraço amistoso em directo e uma ansiosa Ana Gomes na SIC Notícias exprimindo muita vontade de que o camarada Basílio vencesse (sim, venceu, embora perdendo a maioria absoluta).
Na vertente informativa, o apontamento de antologia ocorreu quando fomos informados por uma repórter no terreno: «A abstenção aqui foi de 48%, o que quer dizer que a taxa de participação chegou aos 52%.» Quem disse que somos fracos a fazer contas?
E por falar em aritmética: como é que num país apenas com 8,4 milhões de habitantes maiores de 18 anos “mais de 9 milhões de portugueses foram chamados a votar?” Mistério que nem um conselheiro de Estado é capaz de esclarecer.
Texto publicado no semanário Novo