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Delito de Opinião

A morte do jornalismo

Pedro Correia, 29.06.19

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Um dos mais conceituados jornais à escala global, o espanhol El País, saiu hoje para as bancas com esta "capa": um anúncio de página inteira. Mas não é um anúncio qualquer: trata-se de um investimento publicitário com a chancela do milionário grupo empresarial chinês Huawei, em óbvia estratégia de contenção de danos no âmbito da guerra fria que se desenrola entre Pequim e Washington na disputa da hegemonia do mercado mundial das telecomunicações.

«Nenhum computador deixou de funcionar em 2000. Nenhum Huawei vai deixar de funcionar. Calma, todos os produtos Huawei poderão continuar a ser usados com total normalidade. Tanto os já vendidos como os que estão por vender. E também todas as suas aplicações.» Assim reza o texto que substitui a habitual manchete do jornal de maior tiragem em Espanha.

Vejo isto e recordo outros tempos, com directores de jornais onde trabalhei, que faziam prevalecer a sua autoridade perante os publicitários que pretendiam condicionar a linha editorial desses periódicos. Havia espaços interditos aos anúncios - e a venda da primeira página era um deles - e nem todos eram publicados: aqueles que colidiam com o estatuto editorial ou os grandes princípios orientadores desses títulos jornalísticos, colocando eventualmente em risco a isenção na cobertura dos temas mais controversos, eram devolvidos à procedência. E havia uma claríssima linha divisória entre o que era conteúdo jornalístico e conteúdo publicitário.

Tudo isso acabou. Inclusive nos diários ou semanários que conservam um número apreciável de leitores e algum prestígio granjeado em dias de glória ainda capazes de despertar recordações nostálgicas. Mas o que esta primeira página simboliza, com toda a sua força expressiva, é a morte do jornalismo tal como o conhecemos no Ocidente nestes últimos dois séculos. O que resta é a publi-reportagem, a estória "fofinha", o evento "giro", a narrativa feel good muito amiga dos anunciantes. Informar passou de moda: o que está a dar é entreter. Com a chancela - implícita ou explícita - de marcas, empresas, clubes ou seitas. Os departamentos de publicidade, marketing e relações públicas são hoje os que têm maior capacidade efectiva de decisão editorial na generalidade dos títulos jornalísticos. Incluindo os mais prestigiados, como se vê.

A partir de agora, aguardarei por notícias no El País que possam colidir com os desígnios comerciais da Huawei. Mas confesso desde já que vou esperar sentado. 

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