A montanha mágica
O peso dos anos e o peso das ancas, quando unidos, conseguem seguramente desmoralizar um monge tibetano. Nada que não pudesse ter sido evitado, portanto, mas tirando um bom livro ou uma viagem sonhada, que outros prazeres mundanos e reconfortantes nos restam?
As festas deixaram de ser as festas como as conhecíamos, à medida que os presentes à mesa se foram fazendo representar por uma ausência doída. É verdade que a alegria das crianças é contagiante e balsâmica, mas também sublima a saudade e agiganta o apartamento.
Encontrar o caminho para o lenitivo espiritual através do estômago é a fórmula milenar mais básica e mais cliché que existe, mas também a mais praticada. E já que a carne é fraca, coma-se em dobro.
Janeiro é o mês da montanha mágica, aquele excesso acumulado na cintura de muitos hidratos de carbono, açúcares, lípidos e imoderações proteicas. O nosso Castorp interior transforma num ápice três semanas em sete anos ou numa eternidade, porque a nossa montanha desafia o tempo e a vontade.
O peso da corpulência está em proporção directa ao peso da consciência e inversamente ao da tendência feita carência, derrotando em toda a linha a paciência.
A solução é simples acrescida de um tremendo grau de dificuldade, e é aí que nos agarramos ao tempo, porque o tempo das pessoas não interessa para nada e é bem quantificado ao mês.
Em assim sendo, respiramos fundo e assentamos todos os meses voltar à montanha mágica no mês seguinte, subindo e descendo as assomadas em frequentes oscilações alimentares.