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Delito de Opinião

A monarquia espanhola.

Luís Menezes Leitão, 04.08.20

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Tenho idade suficiente para me recordar da transição espanhola para a democracia em 1975 e da forma como Franco, profundamente monárquico, conseguiu impor um sucessor oriundo da família real, que pessoalmente preparou para lhe suceder. Na altura ninguém dava nada por esse rei, que na prática usurpava, contra as regras monárquicas, o direito que o seu pai tinha de suceder no trono espanhol. Precisamente por esse motivo, era chamado ironicamente de D. Juan Carlos, o Breve, por se considerar que só tinha chegado ao trono pela mão de Franco, e que a transição democrática acabaria rapidamente por levar Espanha a ser uma república.

Essas previsões saíram furadas, no entanto, no dia 23 de Fevereiro de 1981, quando o Tenente-Coronel Tejero Molina à frente de um grupo de soldados invadiu o Parlamento, na data da tomada de posse do novo Governo, sequestrando ao mesmo tempo os governantes em funções e os que iriam ser empossados, gerando assim um vácuo governativo. Nessa altura, assisti em directo ao Rei a falar pela televisão, dizendo que tinha dado ordens aos Secretários e Subsecretários de Estado para assumirem o Governo e que tinha mandado o Exército combater os revoltosos. E na verdade tinha telefonado a todas as divisões do Exército para saber de que lado estavam, conseguindo os apoios necessários para parar o golpe de Estado.

Só que essa intervenção de Juan Carlos só foi possível devido à preparação que Franco lhe deu, pondo-o em contacto com os militares. Um Rei habitualmente não consegue parar um golpe de Estado, só lhe restando rezar para que os revoltosos não queiram terminar com a monarquia. Em Portugal, o Rei D. Luís foi incapaz de se opor aos sucessivos golpes de Estado do Marechal Saldanha, tendo imediatamente aceitado o governo que ele lhe propunha. A Rainha D. Maria Pia ficou tão espantada com a passividade do marido que disse na cara a Saldanha, que se ela fosse o Rei, mandá-lo-ia fuzilar imediatamente na praça pública, o que Saldanha educadamente retribuiu com uma vénia. Mas Juan Carlos era um Rei diferente dos outros, e podia combater uma revolta franquista, tendo por isso adquirido uma legitimidade especial em Espanha. Os espanhóis continuaram por isso a ser republicanos, mas transformaram-se em "juancarlistas".

Juan Carlos ficou por isso na história de Espanha, mas agora está a sair pela porta baixa. Efectuou uma estúpida caçada aos elefantes, numa época de crise financeira profunda, deixou que os escândalos atingissem a sua família e a si próprio, e depois abdicou no filho, adquirindo um estranho estatuto de "Rei emérito", quando o Rei é apenas um. Por sua vez o filho abandonou-o, chegando ao ponto de abdicar da herança do Pai, como se a sua legitimidade monárquica não residisse precisamente nessa herança.

Agora, o "Rei emérito" parte para o exílio, seguindo o exemplo de tantos outros Reis na era moderna, como o nosso D. Manuel II. Só que, como na altura lhe disse a Rainha D. Amélia, "do exílio não se regressa". Mais valia terem seguido o conselho que a Imperatriz Teodora, mulher do Imperador Justiniano, deu ao marido quando este também pretendeu fugir perante uma revolta, no seu longo reinado: "A púrpura (o manto dos imperadores) é uma linda mortalha". Já não se fazem monarcas como antigamente.

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