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Delito de Opinião

A moda da política sem filtros na TV

Teresa Ribeiro, 17.03.15

 

 

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Nunca vi, em tão pouco tempo, estrearem na televisão tantas séries sobre os bastidores da política. Dos EUA veio a viciante House of Cards, da Dinamarca, a Borgen e agora passa na RTP2 a primeira temporada da série francesa Os Influentes (no original, Les Hommes de L'Ombre).

Todas excelentes, e de sucesso internacional, reflectem uma tendência ditada pelo impacto público das primeiras produções do género. Ignoro se foi House of Cards a acender o rastilho, mas o que me interessa é perceber porque só recentemente os jogos de poder, tão velhos como o mundo, passaram a receber este tratamento laboratorial. Filmes documentais ou ficcionais sobre política e políticos existem desde os primórdios do cinema. Da propaganda aos filmes de causas, pensávamos já ter visto tudo, mas afinal faltava a versão hard-core.

"- Daqui a uma semana acaba tudo.

 - Não tem planos?

 - Nada. Fico na reserva da República. Sabe o que é um reservista? É o tipo que chamam à últma hora quando não há pessoas suficientes para agitar as águas.

 - Proponho-lhe algo mais gratificante.

 - E melhor pago? Isso também conta. O meu nível de vida vai ser reduzido.

 - O que lhe proponho é legal e simples. Quando deixar de ser Primeiro-Ministro contrato-o como advogado para defnder os interesses da empresa.

 - Adorava aceitar a proposta, mas não sou advogado.

 - Todos os parlamentares podem ser. Demora exactamente três semanas, basta-lhe prestar juramento.

 - E defendo quem? O quê?

 - As emendas que lhe sugerir para levar à Assembleia.

 - Não é clientela.

 - Explico de outra maneira. Como advogado parlamentar não pode apresentar emendas em nome dos seus clientes. Mas pode fazê-lo a favor dos meus. Intervém por conta da empresa que age em nome dos clientes. É muito simples.

 - É legal?

 - Evidentemente. É por agirem com absoluta legalidade que muitos parlamentares são também advogados. Quando explicam as escusas para intervir em comissões às quais pertencem, provam a sua honestidade.

 - A menos que peçam a colegas para agirem em seu nome.

 - Ou apresentem conselhos de agências como a minha. Tudo isso permite apagar as ligações entre um projecto-lei e o deputado que o defende. Não existe nenhum conflito de interesses aparente entre as partes.

 - Conhecia a prática mas nunca pensei nessas subtilezas.

 - Se aceitar a minha proposta contrato-o como advogado com o salário de um Primeiro Ministro." - este é um exemplo (retirado do episódio 6) de um dos excelentes diálogos que podemos seguir em Os Influentes.

A novidade nestas produções é a exposição total. Nenhum detalhe é esquecido. Quem nunca passou pelos bastidores da política pode agora fazê-lo em casa, sentado no sofá. O papel decisivo dos spin doctors na intriga política, a extraordinária importância que se dá, quando se trabalha a um nível muito profissional, a pormenores como a largura do tampo da mesa que vai estar em estúdio para um debate televisivo, a promiscuidade entre assessores e jornalistas e consequente instrumentalização da Comunicação Social, a apropriação da mensagem política pelo marketing, a transformação de candidatos em produtos, os golpes da baixa política, tráfico de influências, conflitos de interesses, corrupção, tudo se desvenda.

A House of Cards falta-lhe a contenção europeia. A luta pelo poder do protagonista, Frank Underwood (Kevin Spacey interpreta-o tão bem que se arrisca a ficar para sempre com este personagem colado à pele), embora fortemente inspirada na realidade cede a exigências comerciais e até morais. Exagerando na amoralidade da política - Frank já teve que semear alguns cadáveres na sua ascensão ao Nirvana - a série, ao mesmo tempo que atrai nos EUA audiências que gostam de acção, não fere as susceptibilidades de um público mainstream que apesar de tudo prefere uma barreira protectora de ficção à volta das suas instituições. Não por acaso, Obama já disse publicamente que é fã desta série. Prova maior de que é confortável para o meio que pretende retratar.

Mas desviei-me do ponto. Porquê isto agora? Penso que se trata de uma questão de percepção de maturidades. A crise das democracias revelou eleitorados cada vez mais difíceis de conquistar, porque tal como nos casamentos gastos, já não têm mais nada a aprender com o outro. Sabem tudo, não vão em conversas. Sabem demais. Daí os níveis crescentes de abstenção, o desinteresse.

Já não há nada a esconder, nem os podres, que escândalo a escândalo, se foram derramando nos jornais, por isso por que não desocultar segredos de polichinelo e partilhá-los na praça pública? Alguém ligado aos media um dia pensou nisto. Pensou que podia fazer da fonte das nossas frustrações cívicas um sucesso mediático. E acertou em cheio. Seguir estas séries é catárctico. Estávamos mesmo a pedi-las.

 

Foto de: Os Influentes

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