A missa anual
O calendário atinge 25 de Abril e ocorre um curioso fenómeno na sociedade portuguesa, mistura de pensamento mágico com dogmas arqueológicos e a aparente necessidade de suspender o sentido crítico. As pessoas põem cravos na lapela, desfilam patrioticamente e conformam-se com umas beatitudes políticas sobre liberdade. Este ano, a revolução fazia 49 anos, nem havia número redondo, mas o espaço mediático, incluindo redes sociais, transformou-se numa gigantesca sacristia onde se debitavam as rezas adequadas ao espírito devoto da época. Duvido que todos acreditem naquilo que é dito, mas não deixa de ser intrigante esta unanimidade sobre os acontecimentos de 1974. O regime deixou de se interrogar e as suas elites estão satisfeitas com as fracas realizações. Em muitas cabeças, o império ainda não acabou; em outras, a revolução foi traída. Na realidade, ao contrário da generalidade dos países europeus, Portugal nunca chegou a ter classe operária forte e, nas duas últimas décadas, a classe média foi dizimada. O país vive de rendas e de subsídios europeus, mas é periférico na Europa, não tem ambição e resiste à mudança. Durante esta época de missa obrigatória, a opinião pública é exposta a ilusões esquerdistas do século passado e a História permitida baseia-se numa mitologia piedosa sobre dois períodos caóticos, o PREC e a Primeira República.
imagem, Night Café, IA