A mãe dolorida e o circo mediático
Sempre considerei que o caso das gémeas convoca o pior do voyeurismo conjugado com o pior da inveja social.
Se alguém merece ser criticado não é seguramente a empresária Daniela Martins, mãe dolorida que tudo fez para proteger duas filhas em risco de vida, aceitando agora comparecer numa sessão de cinco horas em comissão parlamentar de inquérito num país que alguns dizem não ser dela. Mesmo sendo descendente de quatro avós portugueses. Nossa compatriota, portanto.
Esta senhora apedrejada no "tribunal da opinião pública" - o mais injusto dos tribunais - marcou presença no mesmo local onde já pontificou, como líder parlamentar, um antigo deputado acusado de assassinar há década e meia outra portuguesa residente no Brasil, permanecendo este crime impune até hoje.
Isto sim, devia suscitar escândalo nacional. Mas não suscita.
Apetece perguntar: enquanto Daniela Martins enfrentava deputados de várias cores ideológicas e respondia com dignidade ao acintoso André Ventura na Assembleia da República, onde estava o pai das gémeas? Sumiu-se, saiu de cena.
Onde estava o amigo "portuga" de São Paulo, filho do Presidente e suposto instigador da cunha hospitalar? Fora de palco, em silêncio completo, pecando por falta de comparência e desrespeito à Casa da Democracia.
De repente os homens eclipsam-se, só resta ela. Criticada até por ter cumprido o dever cívico de atravessar o Atlântico e submeter-se a um interrogatório em que não faltaram parlamentares quase aos gritos.
Vi, ouvi, reflecti. E concluo que só ela esteve bem nesta história ainda com vários ângulos por esclarecer.
Sem esquecer as meninas, que não têm culpa de padecerem de uma doença rara e grave. Expostas num circo mediático que as reduz a um rótulo depreciativo ("gémeas luso-brasileiras") pelos mesmos jornalistas que, quando dá jeito, enaltecem as supostas virtudes da "lusofonia" e aludem ao visionário universalismo de Camões. Renegam na prática tudo quanto proclamam com vibração hipócrita, soando a falso do princípio ao fim.