A lista dos patifes
Enunciar o óbvio (também tenho direito a começar uma frase pelo infinitivo, e hoje foi o dia): As crianças não correm qualquer risco credível de morrerem da doença, a vacina nem sequer garante que deixem de poder contaminar e as pessoas que poderiam ser contaminadas e correr riscos já têm a protecção possível, dada a sua quase totalidade estar vacinada. Na parte em que ainda não estejam, em particular porque as vacinas, coitadinhas, enfraqueceram, e porque já se percebeu que a imunidade de grupo é inatingível por o vírus sofrer mutações para viver tranquilamente entre nós, o que os poderes públicos têm a fazer é disponibilizar, para quem queira, versões mais recentes que as farmacêuticas, a quem saiu a sorte grande, vão disponibilizando.
Portanto, do que se trata aqui é de uma experimentação social para a escumalha infecta que pastoreia a grei impingir a ideia de que merece ser conservada nos seus poleiros, por estar a fazer tudo o que é possível. A multidão crédula vai provavelmente levar os seus rebentos à pica, na dúvida, porque mal não fará. E a DGS fica confirmada como um organismo essencial nas nossas vidas – mais do que a AT, a ASAE e as outras autoridades que se asseguram de que andamos na linha, sendo esta o que elas decidem para nosso bem.
A classe médica está nas suas sete quintas: Isto significa que o vírus, que nunca provocou baixas sérias, lhe deu o inimaginável poder de transformar opiniões e conselhos em normas de vida imperativas. Com dois preços: aqueles médicos que se afastem do consenso (isto é, da opinião médica maioritária) devem ser silenciados até onde for possível porque, se do que se trata é de levar as pessoas a adoptar comportamentos, a dúvida estraga o suave arranjo; e o reforço da importância implica um acordo com o poder político porque este não pode dispensar a cobertura da ciência, a qual, na sua declinação de organismos oficiais, não pode dispensar o poder político porque, sem ele, se condena a uma relativa irrelevância e não à gostosa visibilidade que o pânico lhe conferiu.
Os matemáticos estão nas suas sete quintas: Alguém alguma vez soube ou quis saber o que são modelos epidemiológicos, o R(t), as curvas que era preciso achatar? Pois bem, Buescu, Antunes e outros foram subitamente catapultados para o estrelato, e é provável que lá fiquem ainda mais tempo do que o José Maria da Casa dos Segredos.
Os jornalistas estão nas suas sete quintas: Não precisam de investigar, nem de ouvir versões contraditórias, nem de acolher dúvidas. São o quarto poder, não são? E haverá actividade mais nobre do que utilizá-lo para difundir o Bem, a Lucidez, a Saúde e a Ciência, tudo maçarocando notícias das agências ou doutros órgãos, num abençoado copiar/colar, ao mesmo tempo que se esfregam com pessoas de representação que os encaram com os olhos ternurentos da cumplicidade?
O Governo está nas suas sete quintas: O SNS está em ruínas porque assenta no pressuposto constitucional, arnautiano, socialista e demencial de que a saúde pode ser universalmente gratuita, ainda por cima com a maior parte dela assentando em estabelecimentos de propriedade e gestão públicas, sem que um dia esbarre na parede das boas contas. A abençoada Covid esconde o desastre: morre muita gente, é? Pois, maldita Covid, o que nos havia de suceder.
O pequeno ditador que a maior parte de nós traz dentro de si está nas suas sete quintas: Há por aí uns cidadãos meio dementes que fazem gala do seu desrespeito pelos outros passeando-se sem máscara, ou fugindo da prisão domiciliária, ou que duvidam dos senhores padres e da Santa Madre Igreja (perdão: dos cientistas Antunes e D. Graça e da DGS)? São inimigos da comunidade dos fiéis, fogueira (credo, que exagero, uma multa basta) com eles.
Ora, que discurso descabelado: é só uma recomendação. Não, não é. Porque já com as vacinas para adultos e os certificados que se descarregam da Internet estávamos a falar de recomendações, não de obrigatoriedades. Mas como para viajar, ou ir a um restaurante (já não sei se em todos os dias se apenas naqueles em que o vírus ataca com mais ferocidade, por não serem úteis), e para numerosas outras situações comezinhas, era necessária mostrar, como dizem os franceses, patte blanche (a pata aqui compreende-se, e branca também), na prática a vacina era, e é, obrigatória, e agora até com o requinte de um palito gigante esburacando as narinas frementes de ansiedade para saber se se pode ir à discoteca. Com as crianças também será: são perfeitamente livres (não elas, exactamente, mas quem tem a responsabilidade delas para o efeito de as sustentar, que para o mais o Estado reconhece perfeitamente os direitos dos pais desde que os esvazie) de não se vacinarem – desde que não ponham os pés na escola.
E é aqui que aparece outra categoria de pessoas que também está nas sete quintas: Os hipócritas. Porque há duas razões pelas quais a vacina não é obrigatória: uma é que não é uma vacina – se fosse impedia a contracção da doença, ao menos durante um certo tempo, e portanto a sua difusão; e a outra é que, em todo o nebuloso processo, entre nós e entre os outros (ainda que com graus diferentes de insânia, cada país tem o seu conjunto próprio de medidas) convém associar os cidadãos às decisões para que a responsabilidade fique diluída. Já hoje se ouve à boca pequena que a razão porque se tomam tantas medidas irracionais e contraditórias (para além da natural inépcia de alguns funcionários superiores, como a Dra. Graça e a nuvem de apparatchiks que enxundia os serviços de saúde) é a necessidade de sossegar as pessoas fazendo coisas, seja o que for. O que quer dizer que o salvo-conduto futuro para o ajuste de contas retrospectivo com os responsáveis por males muito maiores dos que a própria doença já está feito: foi assim porque as pessoas o exigiam.
Um anúncio no âmbito da prevenção rodoviária dizia há anos, para evitar que as crianças fossem transportadas nos bancos da frente dos automóveis: Comigo a criança vai sempre atrás!
Agora vai à frente connosco, ainda que com isso não corra riscos acrescidos, mas porque convém associá-la ao nosso estampanço. E quem isto decidiu pertence a uma lista pouco edificante, mas infelizmente numerosa: a dos patifes.
Declaração de interesses: Estou vacinado por escolha própria, baseado no cálculo de que é provável que isso diminua potencialmente a gravidade da doença, se e quando a contrair; cumpro algumas regras a que resolvi aderir e nada tenho a dizer sobre as que os outros devem seguir.